Na criação ou manutenção de uma biblioteca, é importante colocar o usuário em primeiro lugar. A acessibilidade em bibliotecas universitárias, portanto, deve ser uma prioridade na hora de disponibilizar essa estrutura educacional.
Hoje, no Brasil, cerca de 24% da população é considerada PcD (pessoa com deficiência). Ainda que a incidência seja maior na parcela mais idosa da população, é importante frisar que há deficiência em qualquer faixa etária. Os principais tipos são deficiência visual e motora, que afetam grande parte dessa população e interferem em seu relacionamento com os espaços físicos e sociais.
Cerca de 6 milhões de brasileiros relatam deficiência visual, mesmo com o apoio de óculos. Isso significa, então, que elas não têm a mesma acessibilidade no dia a dia que pessoas com a visão funcional.
E como as instituições de educação superior se relacionam a esse cenário? Isso significa que a acessibilidade (ou falta dela) é uma barreira para alunos buscarem a qualificação acadêmica e profissional nas IES.
Isso acontece tanto pelas barreiras físicas (prédios sem atenção para usuários de cadeiras de rodas ou acessórios de mobilidade, longas distâncias, sinalização não-inclusiva) quanto pela falta de foco em iniciativas de acessibilidade do conteúdo e das práticas educacionais.
Na prática, significa que apenas 0,5% dos alunos atualmente matriculados em cursos superiores é PcD (de acordo com o Censo do Ensino Superior, realizado pelo Inep). Portanto, as oportunidades de crescimento acadêmico e profissional não estão disponíveis de forma igualitária para potenciais alunos com deficiência.
Quais são os efeitos da falta de acesso à educação superior?
Assim como ocorre em outros grupos marginalizados, a exclusão de PcDs de iniciativas de qualificação profissional, como o ensino superior, tem grandes consequências. A falta de oportunidades pode levar a empregos sub remunerados, o que não permite a independência financeira dessas pessoas.
A Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência define que:
“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Além disso, muitas vezes, as deficiências são acompanhadas de gastos médicos e questões de saúde onerosas, o que aumenta as despesas pessoais, contrastando com a baixa renda.
De acordo com o censo disponibilizado pela Base de Dados de Pessoas com Deficiência do Governo Estadual de SP e realizado pela Fipe entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, a taxa de desemprego entre PcDs é de 35%.
Em relação aos estudos, é importante frisar que 83% dos entrevistados manifestam interesse em cursos de qualificação, porcentagem que não condiz com a quantidade de matrículas nem de egressos dos cursos técnicos, graduação e pós-graduação.
Sobre a falta de acesso ao mercado de trabalho, apenas 10,5% declara estar incapacitado por consequências da deficiência e quase 50% conta nunca ter tido a oportunidade. Uma das principais razões citadas (14%) é a exigência de formações específicas pelas empresas.
Então, é fundamental o papel das IES, independente dos cursos que elas oferecem e seu tamanho, repensar a infraestrutura física, social e educacional para melhorar a acessibilidade.
Os aparatos legais da inclusão no ensino superior
O Estatuto da Pessoa com Deficiência foi sancionado em 2016 e se tornou um marco na luta pela acessibilidade. Nele consta, entre outras diretrizes:
“Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.”
Para promover a inclusão, cabe ao Estado e aos dirigentes das instituições promover projetos pedagógicos inclusivos, estruturas sem barreiras físicas ou sociais, diferentes formas de aprendizado e avaliação, comunicação inclusiva e outras ferramentas para melhorar a acessibilidade.
A inclusão na prática
Na prática, porém, ainda há uma falta da implantação das ferramentas de acessibilidade no ensino superior brasileiro. Isso se manifesta na criação de cursos que não têm as adaptações ou acomodações necessárias e que disponibilizam informações de forma desigual.
Por exemplo, se um aluno deve consultar um livro referência em sua área para o curso, mas esse livro está disponível apenas em forma física na biblioteca do curso, ele não é inclusivo para alunos com deficiência visual.
Se as aulas EaD assíncronas não contam com legendas ou transcrições, elas não são acessíveis para alunos com deficiência auditiva. Isso também é o que acontece com a falta de intérpretes em Libras durante eventos ao vivo (vale lembrar que a Língua Brasileira de Sinais é considerada, desde 2002, um idioma oficial em território nacional).
Se os prédios em que as aulas são realizadas não são acessíveis, os alunos com deficiência física e motora enfrentam mais barreiras que os alunos sem deficiência, tornando o curso menos acessível.
Toda a estrutura das IES pode ser repensada para ser mais inclusiva, a partir de estratégias didáticas, ferramentas e meios de comunicação. Neste artigo, vamos focar na acessibilidade em bibliotecas universitárias e como promover inclusão nesse espaço.
O que é uma biblioteca inclusiva e acessível?
De acordo com a ABNT, a acessibilidade de informações exige linguagem inclusiva, o que significa “um conjunto de símbolos e regras de aplicação e disposição, que torna possível um sistema de comunicação, podendo ser visual, tátil ou sonoro. Fundamentalmente, tem a capacidade de proporcionar inteligibilidade.”
Nesse sentido, as bibliotecas têm um papel fundamental em tornar a IES mais acessível e inclusiva, desde sua linguagem física como o conteúdo que nela está presente. Dessa forma, os alunos terão compreensão correta das informações e poderão participar de atividades acadêmicas.
Identificando as barreiras
Em primeiro lugar, é importante encontrar as falhas na acessibilidade em bibliotecas universitárias. Consultar as normas da ABNT sobre a infraestrutura, a sinalização e a comunicação é fundamental para entender onde ainda existem bloqueios.
Fazer avaliações anônimas com a comunidade acadêmica também é uma forma produtiva de identificar o que ainda precisa ser melhorado para que todos possam usufruir igualmente da biblioteca.
Acesso físico
Uma das principais barreiras das bibliotecas que afeta os alunos com deficiência é a física. Atente para as estruturas: o espaço pode ser acessado por alunos em cadeiras de rodas? Há apoios e cadeiras para espera e estudos? O atendimento prioritário funciona?
O espaço de circulação deve ser adequado, com a sinalização legalmente exigida para usuários de baixa visão (linhas táteis no piso e Braille nas placas, por exemplo), os banheiros devem ter capacidade para mobilidade reduzida, as mesas e cadeiras em diferentes alturas, etc.
Informações e atendimento
Esse é outro ponto muito importante para a acessibilidade em bibliotecas universitárias. Para auxiliar os alunos a encontrarem a informação, é importante que os canais de comunicação da biblioteca sejam acessíveis (compatíveis com leitores de telas, em Libras e textuais) e não restritos.
Dentro do espaço da biblioteca, o acesso à informação também deve ser facilitado. Mensagens claras, evitando linguagem complexa e sinalização difícil para usuários de baixa visão também é uma forma de promover acessibilidade. Por exemplo: textos devem ter alto contraste com o fundo, Braille e estarem disponíveis em forma de áudio.
Para alunos com mobilidade reduzida, as mesas e cadeiras pensadas para suas necessidades de locomoção e estabilidade fazem toda a diferença no uso do espaço. Outras estratégias inclusivas são computadores de busca com tecnologias de comunicação assistiva, letras grandes para visibilidade e lentes de aumento nas prateleiras.
Mídias e formatos
O aprendizado dos alunos nunca é igual e sua individualidade deve ser respeitada. O mesmo vale para pessoas com deficiência. Alunos disléxicos, por exemplo, possuem dificuldade com materiais em textos longos. Mídias audiovisuais como documentários e livros em áudio facilitam a absorção de informações necessárias para a formação do aluno.
Outro problema comum, enfrentado por alunos com deficiência auditiva, é a falta de legendas, transcrições ou interpretação em Libras de conteúdos em áudio e vídeo. Dessa maneira, fica claro que acessibilidade não é apenas um ponto: é repensar a melhor forma de transmitir informações para quem a busca.
Equipe e compreensão
A acessibilidade também está na linguagem e nas atitudes diárias. Ao buscar um ambiente mais inclusivo na IES para alunos com deficiência, o treinamento é uma parte fundamental do processo.
As equipes, inclusive das bibliotecas, devem estar alinhadas com as demandas legais e éticas das pessoas com deficiência e entender questões como linguagem inclusiva, capacitismo, desigualdade social e outros problemas enfrentados por essa comunidade.
Como promover a acessibilidade nas bibliotecas universitárias?
Com algumas mudanças na estrutura e no dia a dia da biblioteca universitária, ela se torna mais receptiva a diferentes vivências e necessidades dos alunos. Dessa forma, eles poderão se sentir tão parte da comunidade acadêmica quanto os alunos sem deficiência, combatendo o capacitismo no ensino superior.
1. Abra as portas do espaço
Garanta que a biblioteca tenha espaço de circulação, acesso físico aos livros e às referências e que a mobilidade reduzida seja respeitada. Siga as diretrizes normativas da ABNT na sinalização e priorize a usabilidade do espaço físico.
2. Multiplique o material
Garanta que alunos com transtornos neurobiológicos (TDAH, dislexia, discalculia, TEA) tenham o mesmo acesso à matéria e possam consumir as informações exigidas nos cursos. Multimídias podem ser aliadas aqui, assim como tecnologias assistivas.
Alguns exemplos práticos são: evitar textos longos sem quebras, ter alto contraste entre o fundo e as letras, hierarquização das informações, fontes sem serifa, etc.
O material também deve ser inteligível para deficientes auditivos e pessoas com baixa visão. Iniciativas como #PraCegoVer promovem a descrição por escrito de conteúdos em imagem, o que auxilia pessoas que usam leitores de tela. O texto alternativo deve ser usado em publicações de redes sociais e também pode ser aplicado ao vivo, em conteúdos visuais da biblioteca.
3. Ofereça apoio
O aluno com deficiência já enfrenta dificuldades pela baixa presença no mundo acadêmico. Porém, sua IES pode ser uma grande aliada na inclusão sociocultural e econômica dessa população.
Informar-se sobre as barreiras de entrada e refletir sobre a melhora é o primeiro passo. Além disso, promover eventos sobre inclusão, incluir autores com deficiência no catálogo da biblioteca e fazer parcerias com instituições de apoio que possam orientar os alunos torna a IES e a sua biblioteca mais inclusivas.
Ferramentas de acessibilidade também podem ser usadas: é o caso de aumentadores de texto, lupas nas áreas de referência, folheadores digitais (que permitem a utilização de pessoas com mobilidade reduzida e baixa visão), livros em braille, entre outros.
4. Conheça outras iniciativas
Um exemplo de inovação é a Dorinateca (Biblioteca Digital Dorina Nowill). Pensada para deficientes visuais, ela conta com revistas faladas, livros em áudio, braille, fonte ampliada, etc.
Na Biblioteca Nacional (RJ), a parceria com a ONG Acessibilidade Brasil foi criada para formar técnicos especializados em atendimento para PcDs. A biblioteca hoje conta com ferramentas como: ampliadores de textos eletrônicos, leitores de livros autônomos, linhas Braille, folheadores automáticos de livros, teclados e mouses especiais, impressoras Braille e programas para leitura de textos que fazem reconhecimento de voz.
E as bibliotecas digitais?
A inovação digital das bibliotecas é uma grande aliada da acessibilidade. Conteúdos disponíveis em acervos online permitem que mais pessoas tenham acesso. Essa disponibilidade significa menor necessidade de deslocamento, compatibilidade com ferramentas digitais (leitores de tela, por exemplo) e acesso contínuo às referências de estudo.
Nesse sentido, a implantação de uma biblioteca digital em apoio à biblioteca física de sua instituição pode levar as informações para uma parte ainda maior da comunidade escolar.
Com livros virtuais, os alunos também podem adaptá-los às suas necessidades: aumentar textos, usar em conjunto com softwares de acessibilidade e, principalmente, tê-los em mão a qualquer momento.
Agora que você conhece as vantagens de uma biblioteca acessível, que tal implantar a biblioteca digital em sua IES? Veja como funcionam os livros digitais da Saraiva!