Ao final de cada semestre, o coordenador do curso pode se deparar com uma quantidade maior do que a esperada de alunos em dependência. Esse é um cenário problemático para a qualidade da educação superior.
Além de sinalizar, potencialmente, uma falha na transmissão de informações, esse quadro também pode prejudicar o ânimo e o engajamento dos alunos. Ou também ser um sinal de que os índices de aprendizagem não estão tão altos como deveriam estar.
Essa realidade causa prejuízos para a instituição de educação superior (IES) e sinaliza a necessidade de realizar algum tipo de intervenção pedagógica.
Ao contrário do que ocorre no ensino básico, no ensino superior o aluno conclui o semestre e segue para o próximo mesmo que reprove disciplinas. Porém, nesse caso, deve refazê-las no semestre seguinte (ou ano seguinte, em caso de disciplinas que não sejam ofertadas duas vezes ao ano).
Em alguns casos, a disciplina em dependência é pré-requisito para disciplinas futuras. É comum, então, que o aluno atrase a conclusão do curso, já que só poderá cursá-las após ser aprovado na dependência. Em casos mais graves, esse quadro pode levar ao aumento das taxas de trancamento de curso.
De qualquer forma, para os educadores, esse cenário é muito negativo porque significa que os alunos têm uma lacuna no conhecimento, que deve ser adereçada emergencialmente.
Porém, antes de tomar as medidas necessárias, é importante analisar a causa raiz do número de alunos em dependência. É preciso revisar a situação em busca de um potencial problema em comum.
Por outro lado, se os alunos em dependência estiverem nessa situação por conta do desempenho pessoal, é preciso também atentar para suas dificuldades e criar oportunidades para preencher as lacunas de conhecimento. Assim, a formação acadêmica e profissional não será prejudicada a longo prazo.
Quais são as razões para alunos em dependência?
Apesar de parecer um cenário imediato, normalmente o aumento de alunos em dependência nas IES é multifatorial. Isso significa que ocorre em função de múltiplos fatores, como questões pessoais, coletivas, dentro e fora da sala de aula.
Por isso, é preciso analisar cuidadosamente quais critérios e processos estão fazendo com que o índice aumente. Vamos abordar, a seguir, três razões comuns para o aumento de alunos em dependência.
1. Falta de conexão com a metodologia
Uma das principais possibilidades é que o conteúdo esteja chegando aos estudantes de uma forma que não se conecte com sua maneira de aprendizado. Apesar de o modelo tradicional de aulas expositivas ser consolidado, principalmente em disciplinas 100% teóricas, na verdade ele não contempla grande parte dos discentes.
Isso porque os alunos captam o conteúdo de formas diversas. Ouvir, debater, criar projetos e deliberar soluções… Se o docente não estimula o aluno a absorver e aplicar o conteúdo através de várias possibilidades, a retenção é menor.
Como consequência, os alunos sentem menos interesse e apresentam maior dificuldade, o que se reflete em desempenho abaixo do ideal nas avaliações. A personalização do ensino é uma boa opção para ajudar a resolver este problema.
2. Falta de tempo
Uma dissonância entre alunos e docentes comum no ensino superior é a falta de tempo que pode ser dedicado aos estudos. De acordo com a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), feita pelo IBGE, cerca de 48% dos universitários também trabalham em tempo integral.
Por isso, muitas vezes eles não conseguem acompanhar a grade curricular como um todo e se manter a par de todo o conteúdo, prejudicando seu desempenho.
Também é importante lembrar que há alunos em dependência que foram prejudicados não por notas de avaliações, mas por prazos de entregas de trabalho ou faltas. É possível que esses problemas sejam efeito de falta de dedicação, mas também do tempo reduzido para dedicar às aulas e atividades correlatas.
3. Falha no repertório
Outro ponto importante é a falta de repertório e bagagem de conhecimento. Um aluno que não tenha conseguido acompanhar matérias do início da graduação, por exemplo, terá como reflexo um desempenho mais baixo em matérias mais avançadas.
Aqui, é importante frisar que estratégias de apoio têm uma função especial nos primeiros anos de curso: com elas, o aluno não acumula lacunas, o que, por sua vez, traz reflexos positivos nas disciplinas futuras.
Uma das formas de combater este problema é utilizar a avaliação diagnóstica inicial.
Métodos para entender as dificuldades dos alunos em dependência
Caso o número de alunos em dependência tenha chamado a atenção dos educadores, é importante criar um espaço de diálogo para que os motivos sejam analisados com a cautela necessária.
Avaliações diagnósticas
No Ensino Superior, espera-se um nível maior de autonomia e autorregulação dos alunos. Por isso, a realização da autoavaliação do aluno é uma ferramenta útil. Com ela, os alunos podem refletir sobre o que aprenderam, o que não aprenderam e as dificuldades que enfrentam.
Por meio dessas respostas, os docentes e coordenadores podem elaborar planos de aula e trazer inovações que auxiliem o aluno em seu processo de aprendizagem.
Além disso, podem — e devem — ser feitas avaliações regulares por parte do corpo docente e do setor administrativo. Esses dados são essenciais para embasar novos projetos a curto e longo prazo.
As avaliações são formas de medir o desempenho dos alunos, mas, se feitas apenas ao final do semestre, não funcionam como guia para mudanças de caminho. Os docentes que investem na avaliação diagnóstica conseguem determinar se os estudantes estão atingindo os objetivos de aprendizagem. Se não, é tempo de revisar conteúdos, rever os planejamentos e alterar a programação.
Grupos discentes
Também é importante ter em mente a melhoria da experiência do aluno. Grupos discentes como grêmios e associações, além de promover o diálogo, também fazem com que os alunos se engajem na própria educação. Assim, se houver um problema em comum, como atritos com docentes ou sobrecarga de atividades, os estudantes poderão levá-las aos gestores.
Leia também: Como cuidar da saúde mental dos estudantes na IES?
O reflexo do aumento de alunos em dependência
A diminuição no rendimento acadêmico e, por consequência, o aumento dos alunos em dependência causa grandes prejuízos à IES. Mesmo que o aluno eventualmente recupere o conteúdo perdido, ele pode ser prejudicado pela experiência, assim como a instituição como um todo.
1. Baixo engajamento
O desencanto com as demandas do ensino superior é uma queixa comum entre estudantes. Se eles estão sobrecarregados com diferentes obrigações (como trabalho e família, além dos estudos em si), a falta de conexão com as temáticas em sala de aula faz com que o aluno não tenha a melhor absorção do conteúdo.
2. Evasão estudantil
A consequência mais direta dessa falta de engajamento é a evasão de alunos. Se o aluno não se sente desafiado e pertencente nas discussões em sala de aula, ele não terá interesse nos estudos.
A dependência e a queda no ânimo, em casos mais sérios, pode fazer com que o estudante desista da graduação.
3. Prejuízo à continuidade da formação
Mesmo quando o aluno permanece no curso, a dependência faz com que a lógica de seu aprendizado seja prejudicada. Como muitas vezes ele terá que cursar a dependência simultaneamente a outras disciplinas, se ela for um pré-requisito, faz com que o projeto de curso se desestabilize.
4. Reflexos na IES e qualidade de ensino
A Lei nº 10.861 de 2004 instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Esse órgão mensura a qualidade do ensino nas IESs e permite que estes continuem em funcionamento oficial. De acordo com o texto, a função é
“a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior.”
Uma das atribuições do SINAES é a análise de dados ofertados pelas CPAs (Comissão Própria de Avaliação). Esse órgão, obrigatório em todas as IESs, faz autoavaliações sobre a qualidade do ensino e o aproveitamento dos alunos. A CPA avalia imparcialmente os eixos pedagógicos e de gestão da IES.
Com essas informações, as equipes no Inep também realizam avaliações próprias, que serão usadas para credenciamento e recredenciamento dos cursos de graduação.
Portanto, caso os alunos não consigam obter o desempenho necessário, um dos reflexos é a queda na qualidade da instituição como um todo. E isso pode levar inclusive à diminuição de nota na avaliação do MEC.
Como incentivar a aprendizagem no cenário de alunos em dependência?
Pensando em todas essas dificuldades e na necessidade de implantar um diálogo efetivo sobre rendimento, os coordenadores devem encontrar formas de incentivar os alunos em dependência.
Assim, eles terão as ferramentas necessárias para preencher as lacunas, progredir no curso e atingir o perfil do egresso proposto pelo curso de graduação.
1. Oferecer apoio pedagógico
Recorrente no ensino básico, a orientação pedagógica é deixada de lado por muitas IESs, sob a crença de que os alunos que já optaram por um curso não precisam desse apoio. Mas, na verdade, mesmo após o ingresso na graduação os alunos podem precisar de orientação profissional.
É com o auxílio desses profissionais que os estudantes conseguem entender suas dificuldades em relação aos estudos, aos planos de carreira e a encontrar novas habilidades.
Além do conhecimento acadêmico, espera-se do graduando o desenvolvimento de soft skills, as competências socioemocionais como autonomia, autogestão, proatividade e relações interpessoais.
Com isso, o aluno tem mais ferramentas úteis para melhorar seu desempenho nos estudos e rendimento nas avaliações, além de um aliado caso esteja enfrentando dificuldades e precise de orientações.
2. Mentorias, grupos de estudo e atividades complementares
Não é apenas dentro da sala de aula tradicional que ocorre o aprendizado. Na verdade, um dos pilares da educação superior é a extensão universitária. Essa atividade, que prevê a ampliação dos conhecimentos para a comunidade externa, é uma forma de o aluno aplicar o conteúdo na prática.
Eventos, conferências, empresa júnior, competições, debates e muitas outras atividades podem ser realizadas como extensão, promovendo a multidisciplinaridade do curso de graduação.
Já se o aluno enfrenta dificuldades acadêmicas por falta de compreensão, há diferentes opções que podem ser implementadas. Plantões de dúvidas com professores e monitores nas aulas (alunos de pós-graduação, por exemplo) são benéficos.
De acordo com o autor Paulo Freire, é importante para as práticas educacionais reforçar o elo entre o ensino e a aprendizagem.
“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”, diz o autor.
É com esse embasamento que educadores podem implementar a aprendizagem entre pares, incentivando os alunos a difundir conhecimentos em grupo, fortalecendo a compreensão tanto ao aprender, quanto ao ensinar ao próximo. Nesse sentido, promover mentorias e grupos de estudo é uma ótima forma de auxiliar alunos em dependência.
3. Refletir sobre as metodologias utilizadas
No Projeto Pedagógico de Curso (PPC), a comissão organizadora determina as diretrizes de funcionamento daquela graduação. Porém, com o tempo, é importante que ela seja reavaliada de acordo com os objetivos iniciais.
Por exemplo, para que um curso se destaque perante aos alunos e ao mercado, é preciso implementar inovação na grade curricular. Essa inovação pode tomar diversas formas, inclusive a de metodologias educacionais.
Uma das razões para o aumento dos alunos em dependência e a falta de motivação e rendimento é a desconexão com os métodos usados em sala. Aulas totalmente expositivas, avaliações por escrito e pouco diálogo são alguns exemplos.
Mas, como alternativa, existem as metodologias ativas. Baseadas em teorias educacionais, elas buscam colocar o aluno como protagonista de sua própria jornada na educação.
Em linhas gerais, os gestores educacionais devem se embasar no questionamento e nas práticas para realizar intervenções pedagógicas. É preciso identificar o problema, determinar os objetivos a serem alcançados, utilizar recursos tecnológicos, pedagógicos e culturais, registrar os processos e analisar os resultados.
Com a dedicação e o compromisso com a qualidade da formação, o quadro de alunos em dependência pode ser revertido e abrir espaço para uma comunidade acadêmica com melhor desempenho, maior engajamento e as ferramentas necessárias para implementar inovação dentro e fora da sala de aula.
Esperamos que tenha gostado deste conteúdo sobre alunos em dependência! Aproveite e confira este outro texto sobre os indicadores de qualidade do MEC!