A atividade de aprendizagem é uma parte fundamental do processo de formação dos estudantes — não apenas de seu aspecto acadêmico, mas também da sua formação humana e social.
No entanto, é um assunto pouco compreendido no contexto da educação brasileira, que costuma ensinar sem que os alunos aprendam. Como diminuir a distância entre o conteúdo lecionado e o conteúdo assimilado?
Para responder a essa pergunta, dedicamos o presente artigo. Ele irá se reportar a marcos teóricos importantes sobre a atividade de aprendizagem, para melhorar sua compreensão. Vamos falar, também, de dicas práticas para desenvolvê-la em sua instituição de educação superior (IES).
Vamos em frente!
O que é uma atividade de aprendizagem?
A atividade de aprendizagem pode ser definida como “um componente da atividade humana, orientada para a aquisição, não apenas de conceitos, generalização, análise, síntese, raciocínio teórico, pensamento lógico… mas também para o desenvolvimento cognitivo, afetivo, subjetivo e social”.
Este conceito é apresentado pela pesquisadora Maria Laura Puglisi Barbosa Franco, neste artigo que redigiu sobre o tema. Ela é Doutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professora titular aposentada nessa IES.
Como podemos observar, a definição amplia o que costuma se entender pela atividade de aprendizagem. Ela é situada no contexto das relações humanas, da construção de um conhecimento que é eminentemente social.
O que é essencial em uma atividade que promova o desenvolvimento da aprendizagem?
Pela definição que apresentamos acima, podemos extrair uma primeira resposta a essa pergunta: para que a atividade de aprendizagem seja efetiva no desenvolvimento do aluno, é necessário desenvolver competências como “percepção, emoção, linguagem, personalidade e consciência“, nas palavras de Maria Laura Puglisi.
Nesse sentido, vale a pena incentivar a extensão universitária na IES. Ela contribui para situar o aluno na realidade social em que vive e aplicar a noção de alteridade em seu aprendizado.
A autora reconhece, também, um outro fator importante relacionado a essas atividades. Em sua leitura, os sistemas educacionais têm experimentado uma crescente abertura, desde o final do século passado, às demandas e experiências da sociedade e do mercado.
Em função disso, passou a se tornar imprescindível “vincular a educação às inovações tecnológicas, aos novos meios de comunicação e à informática”. Por isso é tão interessante que as IES invistam na aplicação de tecnologia nas atividades de aprendizagem e, de uma forma mais geral, na educação digital.
Dessa maneira, o aluno tem acesso a um ensino de qualidade. Por outro lado, a IES consegue manter a competitividade no mercado e sustentabilidade financeira.
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Quais são as 6 dimensões da atividade de aprendizagem?
A fim de auxiliar sua IES a traçar uma boa estratégia em atividades de aprendizagem, vamos apresentar outro marco importante. Trata-se deste livro escrito pelo autor Pedro Demo.
Demo é professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e docente do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos dessa mesma universidade. Já foi secretário-geral adjunto do Ministério da Educação (MEC) e presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
É um nome importante na educação brasileira e escreveu uma obra completa sobre o assunto em comento, intitulada “Atividades de aprendizagem — Sair da mania do ensino para comprometer-se com a aprendizagem do estudante”.
Ao longo da obra, o autor critica o modelo instrucionista de ensino que vigorava (e ainda vigora) no Brasil, que compara ao modelo de produção fordista, uniforme e repetitivo, ilustrado no filme “Tempos Modernos”, com Charles Chaplin.
A ineficácia desse paradigma é relacionada aos dados assustadores registrados sobre a qualidade do ensino brasileiro, a exemplo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Depois de introduzir esse contexto, Demo analisa com profundidade a constituição das atividades de aprendizagem, seus desafios e formas de executá-las.
Recomendamos fortemente a leitura completa da obra. Vamos apresentar, a seguir, um conceito importante trabalhado pelo autor: as seis dimensões da atividade de aprendizagem. A partir desta compreensão, você conseguirá trabalhá-las melhor em sua instituição de ensino.
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Primeira dimensão
A primeira dimensão das atividades de aprendizagem consiste em seu plano mais básico, compreendido pelas ações de ler, estudar, pesquisar e elaborar. São centradas no entendimento de conteúdos pelo aluno, algo que acontece em seu campo subjetivo.
Ou seja, são atividades que dependem intrinsecamente da iniciativa estudantil. Vamos falar um pouco mais sobre cada uma delas.
Ler
A atividade de leitura envolve não apenas contemplar o conteúdo, mas adquirir a habilidade de reconstruí-lo. Neste processo de reconstrução do conteúdo, o aluno consegue “tornar-se autor do que lê”, nas palavras de Demo, e assim consegue realmente entender o objeto de leitura.
Nesse sentido, consegue também se familiarizar com a estrutura científica e argumentativa dos textos. Adquire a habilidade de analisar o material, enxergando seus defeitos e possibilidades, vislumbrando como poderia ser melhorado.
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Estudar
Para trabalhar corretamente a noção de “estudo”, seria necessário abandonar o paradigma de reprodução automática e acrítica do conteúdo ministrado em sala de aula.
Assistir uma aula, copiar seu conteúdo e transcrevê-lo nas respostas de uma prova não é estudo, na visão de Pedro Demo. Uma correta execução desta atividade de aprendizagem assemelha-se à noção correta da leitura, em que o aluno consegue “se confrontar com conteúdos como autor, aprendendo de autores, para se tornar autor próprio”.
Em outras palavras, o bom estudante não se conforma com as teorizações passadas pelo professor. Ele vai além, sabendo que o conhecimento nunca está completo. Nesse sentido, seria preciso escapar da dinâmica em que o conteúdo é todo “mastigado” para o estudante.
Pesquisar
Em relação à pesquisa, pode ser tomada em dois patamares diferentes. O primeiro diz respeito a um plano básico da pesquisa, em que o aluno procura materiais de maneira livre, por iniciativa própria (como textos, livros, dados oficiais, vídeos, filmes, fotografias…). A partir desse uso essencialmente pedagógico da pesquisa, ele consegue analisar as fontes que encontra.
Por outro lado, existe um patamar mais técnico dessa atividade de aprendizagem, alcançado e qualificado através de metodologias de pesquisa. Métodos qualitativos, quantitativos, como obter dados relevantes, como produzir dados por conta própria, com cuidados estatísticos…
Existem, de fato, várias regras para pesquisa, relacionadas à sua qualidade formal. Além disso, há também uma qualidade política da pesquisa, que diz respeito à leitura da realidade social. Por isso, Demo considera essa atividade como um princípio científico e educativo ao mesmo tempo.
Elaborar
Elaborar fala sobre a produção autoral do aluno, e também deve ir além da mera reprodução associada a resenhas, resumos e cópias. Quando o aluno explica algo por meio de suas produções, quando elabora, chega mais perto de verdadeiramente entender algo.
Só aprendemos o que entendemos, e esses processos são favorecidos quando o estudante coloca algo nas próprias palavras, na própria linguagem.
No começo, são escritas algumas linhas mal traçadas. Mas, depois, é possível evoluir nessa atividade de aprendizagem e produzir textos ordenados, organizados, bem estruturados, que obedeçam também aos critérios científicos necessários.
Segunda dimensão
Na segunda dimensão, temos as atividades de aprendizagem de cunho metodológico. Trabalha, portanto, métodos necessários para que o aluno produza conteúdo com pretensão científica.
Falamos, pois, de atividades como fundamentar, argumentar, contra-argumentar, alegar base empírica testável, distinguir textos mais e menos científicos. A aprendizagem toma um formato mais rigoroso, voltado à obtenção, pelo aluno, da qualidade de autor.
Apesar de reconhecer os métodos para produção científica em todas suas exigências técnicas, o estudante também aprende que não há fórmula mágica para pesquisar ou produzir textos. Existe espaço para exercício da criatividade e também para dialogar com a comunidade científica, desde que de forma civilizada.
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Terceira dimensão
Temos, aqui, atividades de teor epistemológico, que buscam questionar e problematizar o conhecimento existente. Aprendemos, nessa dimensão, que as informações postas podem ter sua validade contestada por meio de uma investigação.
É preciso duvidar, contra-argumentar e buscar por explicações alternativas para as coisas. O conhecimento e a realidade, de forma geral, não se encerram: eles estão sempre em processos de construção, destruição e reconstrução.
Nesse contexto de questionamento, as incertezas são mais importantes do que as certezas de uma aula tradicional, em que o conhecimento é pronto e empacotado, sem data de validade.
Pedro Demo chama atenção também para o lado sombrio da ciência, que pode ser identificado e combatido por meio da crítica e autocrítica — é seu caráter “eurocêntrico, machista, colonialista e destrutivo de outros saberes”.
Quarta dimensão
Na quarta dimensão das atividades de aprendizagem, elas se tornam coletivas. É imprescindível que os estudantes consigam colaborar entre si para produzir conhecimento em conjunto — isso dá maior valor pedagógico à atividade.
Não é uma tarefa simples, porque nosso sistema de ensino parece privilegiar o trabalho individual e competitivo entre os alunos. Mas não se aprende tão bem sozinho. O próprio caráter do conhecimento, construído sempre a partir de um contexto eminentemente social, confirma essa afirmação.
Por isso é importante que as IES ajudem os estudantes a exercitar esse aspecto das atividades de aprendizagem. Demo dá várias dicas para auxiliar nessa tarefa:
- Para evitar o famoso “aproveitador” dos trabalhos em grupo, sugere que os trabalhos sejam feitos a partir de contribuições individuais, para que produção final seja igualitária;
- É possível que um mesmo trabalho ofereça diversos olhares e posicionamentos, desde que sejam sempre pautados na autoridade do argumento, e não no argumento de autoridade;
- Dar preferência a grupos menores, por exemplo de três a cinco integrantes, contribui para que todos possam se expressar e realmente colaborar.
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Quinta dimensão
Esta dimensão, por sua vez, fala especificamente dos ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs). Situa, portanto, a atividade de aprendizagem no contexto do ensino digital.
No entendimento de Pedro Demo, as instituições de ensino não podem mais se apartar desse contexto tecnológico. Entram em cena novos conceitos, como a programação digital (vista atualmente como a alfabetização mais estratégica) e o texto multimodal, com aplicação de multimídia e hipermídia na educação.
Nesse contexto, é necessário repensar algumas práticas das instituições de ensino. Faz sentido censurar o uso de celulares, tablets e outros dispositivos em sala de aula? Ou seria melhor investir na potencialidade que esses aparelhos possuem para contribuir com o ensino?
O AVA, em sua função básica, usa das tecnologias digitais para “enaltecer e reforçar a autoria do estudante, como alargamento estratégico das chances de educação científica e formação geral e específica”. Por isso, é um recurso vital para fazer com que o aluno desenvolva a própria autoria, apoiado nessas tecnologias.
Sexta dimensão
A sexta dimensão da atividade de aprendizagem, por sua vez, se refere a uma mudança própria do professor. Fala-se em formação permanente docente, sob a ideia de que o estudante só vai aprender bem se o professor aprender bem.
As atividades mencionadas até aqui são todas mediadas pelo corpo docente. O protagonismo no aprendizado agora pertence ao estudante, mas nada fará sem uma figura que lhe oriente da maneira correta.
Se o professor está imerso em aulas e correção de provas, não consegue tempo para estudar. O estudo contínuo precisa ser enxergado como uma tarefa dentro de sua rotina de trabalho, porque é seu trabalho.
Também o professor precisa se localizar na condição de autor, se queremos que os alunos também o façam. Por isso, as IES devem investir em sua produção científica, além de conceder o apoio didático e pedagógico de que precisam.
Voltamos, então, à primeira dimensão da atividade de aprendizagem, aplicada agora ao corpo docente: ele também precisa ler, estudar, pesquisar e elaborar. São as referências diretas do corpo estudantil, e merecem o devido reconhecimento e valorização da profissão.
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4 dicas para otimizar as atividades de aprendizagem
Depois de aprofundar a compreensão das atividades de aprendizagem, vamos apresentar agora algumas dicas práticas para desenvolvê-las em sua instituição de ensino. Vamos lá!
Dica 1: Aplicar metodologias ativas
As dimensões das atividades de aprendizagem chamam atenção para um ponto importante: é preciso que o aluno assuma uma postura ativa para que aprenda bem. Em outras palavras, precisamos abandonar o modelo de aula em que o aluno recebe, passivamente, informações do professor.
Quando ele se torna parte central e ativa do próprio aprendizado, o estudante desenvolve a própria autoria e protagonismo. Isso contribui para que efetivamente compreenda o conteúdo que lhe foi passado, e pode ser concretizado através das metodologias ativas.
Na verdade, como vimos no início do texto, o conhecimento é intrinsecamente relacional. Ou seja, é construído em conjunto, através do diálogo, e não na lógica das aulas expositivas. Por isso, a sala de aula invertida é outra ferramenta interessante para alcançar o verdadeiro potencial da atividade de aprendizagem.
Dica 2: Desenvolver as DCN
Outro aspecto mais técnico, de igual importância, é trabalhar as Diretrizes Curriculares Curriculares Nacionais (DCN) de cada curso.
É muito benéfico pensar fora da caixa e propor atividades de aprendizagem diversas, que escapem da lógica instrucionista ainda presente no ensino. Contudo, é necessário fazê-lo respeitando também as exigências formais determinadas por nosso sistema educacional.
Ao alcançar esse equilíbrio, os alunos têm acesso a um ensino emancipador, que também desenvolve os critérios estabelecidos pelo Poder Público (em outras palavras, corresponde à demanda social).
Dica 3: Estimular a leitura
Também como vimos, a leitura é uma atividade de aprendizagem fundamental. Mas não é qualquer tipo: estamos falando de uma leitura ativa e crítica.
O estudante não deve receber aquilo que lê sem filtrar as informações que lhe são apresentadas. Deve usar seu poder de análise para confrontar os dados entre si e com aquilo que já sabe.
Alcançar essa aptidão envolve um trabalho de orientação pelo professor, mas também envolve iniciativa do estudante. A leitura é uma atividade que, como todas as outras, precisa de prática para ser aperfeiçoada. Mas podemos facilitar essa tarefa de algumas formas, e uma delas é aplicar mais tecnologia na leitura.
Por meio de uma biblioteca digital, por exemplo, facilitamos o acesso do estudante a obras de qualidade, e conseguimos melhorar as condições para que leia mais e melhor. É possível ler de qualquer lugar que tenha acesso à internet, com uma logística mais simples.
Dica 4: Utilizar plataformas virtuais
Ambos os autores que citamos no presente artigo falam sobre a tecnologia na educação, como necessidade e estratégia para realizar atividades de aprendizagem.
Não se pode mais pensar a educação apartada das tecnologias virtuais. Precisamos aproveitar todo o potencial da inovação na educação superior — o uso de recursos como microlearning, gamificação e ensino interativo possui eficácia pedagógica comprovada.
Além disso, é uma tendência mundial e um meio para que a IES se mantenha competitiva. Existe uma demanda significativa e crescente, pelos estudantes, por cursos a distância e outras formas de incluir tecnologias da informação e comunicação (TICs) no ensino. Corresponder a essa demanda é um meio para promover a captação de alunos e democratizar a educação.
Esperamos que tenha gostado deste texto sobre atividade de aprendizagem! Que tal aproveitar e descobrir como montar uma trilha de aprendizagem no ensino superior?