A aprendizagem tradicional está baseada na seguinte configuração: um professor, uma sala com pelo menos 20 ou 30 estudantes e conteúdos passados de forma expositiva, sem que o aluno tenha controle sobre seu próprio processo.
Esse modelo vigora há tanto tempo que nos acostumamos com a ideia de que o aluno deve se adaptar ao conteúdo, e raramente consideramos que talvez a aprendizagem devesse fluir pelo modo contrário: que o aluno se coloque em posição protagonista dentro do próprio ciclo de estudos.
Entretanto, o avanço dos estudos sobre os processos de aprendizagem vêm se consolidando cada vez mais rumo ao entendimento de que o protagonismo do estudante não só é desejável, como também cada dia mais necessário.
É nesse sentido que surge o conceito de autorregulação da aprendizagem, uma metodologia que potencializa e aprimora ainda mais os momentos e processos relacionados ao estudo individual.
Quer entender o que é, como funciona e como aplicar a autorregulação da aprendizagem? Continue lendo este artigo!
O que é a autorregulação da aprendizagem?
A autorregulação da aprendizagem, de maneira simples, é uma teoria de aprendizagem em que os estudantes estruturam, monitoram e avaliam o próprio aprendizado. O aluno delimita suas necessidades, planeja e cumpre as etapas de estudo e também tem condições de avaliar todo o processo para verificar o que funcionou ou não.
Em outras palavras, na autorregulação da aprendizagem, o estudante passa por etapas como:
- Delimitar necessidades: a partir de autorreflexão e autoconhecimento, o estudante consegue identificar quais são suas necessidades de aprendizado;
- Planejar caminhos e etapas de estudo: com as necessidades de aprendizagem claras, o estudante pode estruturar o próprio caminho que será seguido nos estudos, como definir prioridades, elaborar planos de ação, definir a melhor forma de apreender o conteúdo, entre outros;
- Cumprir as etapas definidas: o estudante também deve garantir que as etapas planejadas para a aprendizagem sejam viáveis, para então cumpri-las da maneira prevista – realizando, se necessário, algumas alterações ao longo do processo;
- Avaliar o planejamento feito para aperfeiçoá-lo: ao fim do cumprimento das etapas, o estudante pode avaliar o processo e identificar melhorias a serem implementadas nos próximos planejamentos.
A autorregulação da aprendizagem pode ser feita por estudantes em qualquer etapa do ensino, do básico ao superior, e é possível perceber que todos os passos visam ao aprimoramento da autonomia no estudo.
De acordo com pesquisas na área, estimular essa autonomia faz com que o aluno se envolva mais com o que está estudando — isto é, passa a ver o estudo como algo que ele mesmo controla, ao invés de ser controlado pelo professor —, com que o conteúdo seja retido de maneira mais eficaz e, consequentemente, com que o desempenho acadêmico seja potencializado.
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Quais são os fundamentos teóricos da autorregulação da aprendizagem?
Há muitos estudos na área da autorregulação da aprendizagem que dão embasamento a todas essas conclusões relativas aos benefícios. Abaixo, indicaremos alguns pontos principais desses estudos.
As quatro dimensões da aprendizagem
O primeiro deles está relacionado ao que é conhecido como as quatro dimensões da aprendizagem. De acordo com os estudos na área, a autorregulação implica uma boa relação entre essas dimensões. São elas: a cognitiva/metacognitiva, a motivacional, a emocional/afetiva e a social.
Dimensão cognitiva/metacognitiva
Trata-se das estratégias usadas pelo estudante para aprender. As estratégias cognitivas são aquelas que apoiam na absorção do conteúdo, como fazer resumos e fichamentos, criar mapas mentais, sublinhar textos, entre outros.
As metacognitivas, por sua vez, estão associadas ao planejamento dos momentos de estudo, como organização da mesa, planejamento da semana, pedir ajuda a colegas e professores etc.
Dimensão motivacional
A dimensão cognitiva/metacognitiva depende bastante da dimensão motivacional, já que as técnicas de estudo e organização estão diretamente associadas à motivação do estudante em aplicá-las.
De acordo com os pesquisadores de Educação Richard M. Ryan e Edward L. Deci, da Universidade de Rochester (EUA), “a motivação, definida como aquilo que move uma pessoa à ação, é uma força motriz fundamental para iniciar e manter os esforços ao longo do aprendizado”.
A motivação pode ser de vários tipos, como motivação espontânea de aprender sobre determinado tema, por interesses pessoais, ou motivação extrínseca, em que o aluno busca aquele aprendizado por obter boas notas, reconhecimento profissional etc.
É por isso que a dimensão motivacional interfere diretamente no modo como o aluno estuda e planeja seu estudo: seus objetivos variam, e com eles, a forma como ele se organiza também se modifica.
Dimensão emocional/afetiva
O impacto das emoções no processo de aprendizagem também é notório. Os estados emocionais se manifestam de maneira diferente em cada estudante e podem sofrer variações consideráveis em cada etapa do estudo (por exemplo, antes e depois de uma prova).
Esse impacto pode ser tanto negativo quanto positivo, e depende de questões internas do estudante (como o controle emocional próprio) e externas (como apoio de familiares, professores e das próprias instituições de ensino como um todo).
Assim, a dimensão emocional/afetiva da aprendizagem está vinculada ao autoconhecimento do estudante, à regulação e controle das emoções, à busca por melhorar e evoluir, entre outros fatores.
Dimensão social
A dimensão social da aprendizagem diz respeito ao ambiente externo em que o estudante está inserido, ou seja: família, contexto socioeconômico, amigos, professores, IES, entre todos os fatores externos que modificam a vida do aluno. Nesse aspecto, assim como nos outros, há forte influência das outras dimensões.
Modelo teórico de Albert Bandura
O primeiro modelo teórico sobre autorregulação da aprendizagem foi criado pelo psicólogo canadense Albert Bandura, professor da Universidade de Stanford. Muitos modelos foram criados posteriormente com base nos estudos dele.
O professor Bandura buscou explicar a autorregulação da aprendizagem a partir de três processos de gerenciamento pessoal, que ele denominou como: processo de auto-observação; processo de julgamento; e processo de autorreação.
- Auto-observação: trata-se das percepções que o próprio estudante tem a respeito do seu desempenho nas atividades que realiza. Por exemplo: ele pode verificar como está a qualidade do seu estudo, o ritmo em que realiza as tarefas, a originalidade das entregas etc.
- Julgamento: após a auto-observação, o estudante consegue julgar e avaliar esse desempenho, considerando seus objetivos e valores individuais, suas experiências anteriores, a comparação com outras pessoas etc. Aqui também pode entrar uma análise relacionada ao seu próprio contexto social.
- Autorreação: nesse ponto, considera-se as respostas emocionais dadas aos processos restantes. Por exemplo: o estudante pode ficar satisfeito com seu desempenho e buscar alguma recompensa, ou pode ficar chateado, desmotivado, e buscar alguma autopunição.
Autoeficácia e mentalidade de crescimento
Esse gerenciamento pessoal dividido em três etapas propõe verificar a autoeficácia de cada um. Autoeficácia, segundo Bandura, é a crença de cada um a respeito das próprias capacidades, isto é, o quanto cada pessoa considera que seja capaz de realizar as tarefas a que se propõe.
É a melhoria dessa percepção da autoeficácia que motiva estudantes a persistirem nas tarefas e no processo de aprendizagem. Nesse sentido, vale destacar outro conceito fundamental, de outra pesquisadora: a mentalidade de crescimento.
A psicóloga Carol S. Dweck, professora da Universidade de Stanford (EUA), em seu livro “Mindset: A nova psicologia do sucesso”, define os conceitos de mentalidade de crescimento e mentalidade fixa.
Para a estudiosa, pessoas com mentalidade fixa são aquelas que acreditam que o conhecimento e as habilidades são, de certa forma, inatos, e têm pouco espaço de desenvolvimento — por exemplo, aqueles que acreditam em pensamentos como “não consigo fazer X”, “não tenho capacidade para aprender Y”.
Em contraposição, há pessoas que têm o que ela chama de mentalidade de crescimento: pessoas que entendem que o processo de aprendizado é sempre contínuo, e que não há nada que não possa ser aprendido por alguém.
Felizmente, a ciência respalda integralmente a mentalidade de crescimento, tudo graças ao que chamamos de neuroplasticidade: a capacidade que o cérebro tem de se adaptar estruturalmente de acordo com as novas experiências que vão ocorrendo, por toda a vida. Esse entendimento é fundamental para que a percepção da autoeficácia (e, consequentemente, a autorregulação da aprendizagem) seja aprimorado.
Como desenvolver a autorregulação da aprendizagem?
Embora a autorregulação da aprendizagem seja um processo realizado pelo próprio estudante, o papel das práticas pedagógicas em sala de aula e dos contextos de ensino-aprendizagem é essencial para que essa mentalidade se consolide nos alunos.
Para apoiar nesse processo, há vários modelos educacionais (como o proposto por Bandura) que ajudam a instituir a autorregulação de forma eficaz. Aqui, falaremos do modelo PLEA, elaborado pelo psicólogo português Pedro Sales do Rosário, da Universidade do Minho.
PLEA é a sigla que se refere a Planejamento, Execução e Avaliação – as três fases da autorregulação de acordo com esse modelo.
1. Planejamento
Na fase de planejamento, o estudante analisa a tarefa à qual se dedicará e verifica quais são os recursos dos quais dispõe para realizá-la (por exemplo, tempo disponível, material teórico, entre outros). Após essa análise, ele pode então definir objetivos que estejam de acordo com seus propósitos ao aprender sobre o tópico. Por fim, cria um planejamento, considerando tempo limite da tarefa, marcos que o ajudem a verificar seu progresso etc.
2. Execução
Na fase de execução, o estudante deve cumprir o planejamento estabelecido na fase anterior, mantendo sempre em vista seus objetivos finais. Aqui é o momento de utilizar todas as estratégias possíveis para garantir que os resultados sejam atingidos e, ao mesmo tempo, monitorar seu progresso nas tarefas.
3. Avaliação
Na fase de avaliação, o estudante verifica a diferença existente entre objetivos e planejamentos pré-definidos e o real resultado ao qual está chegando, para então verificar se é necessário realizar algum ajuste, se o desempenho está satisfatório, entre outros.
Todos esses processos ocorrem de maneira cíclica: ao fim de uma fase, inicia-se imediatamente a outra, e assim por diante. Além disso, o fim do ciclo anterior coincide com o início do ciclo seguinte, sendo que um interfere diretamente no outro.
Agora que você conhece mais sobre autorregulação da aprendizagem, achamos que você vai gostar, também, do nosso artigo sobre os diferentes estilos de aprendizagem!