Durante o mês de junho, se comemora o Dia do Orgulho LGBTQIAP+, data criada para reconhecer os esforços da luta contra a lgbtfobia, promover políticas de inclusão e acessibilidade e criar espaços seguros para pessoas de todas as orientações sexuais e identidades de gênero.
O mês culmina no dia 28/06, a data oficial do Orgulho LGBTQIAP+, mas existem meios de tornar sua organização mais inclusiva durante o ano todo. Para isso, é preciso entender o contexto do movimento, os avanços e retrocessos da sociedade e o que ainda precisa ser feito.
Nesse artigo, vamos explorar a história da comunidade LGBTQIAP+ e as estratégias que instituições de ensino podem e devem utilizar para acolher essas pessoas dentro de seus espaços, incentivar a democratização do ensino e promover um futuro mais inclusivo.
Dia do Orgulho na história
O dia 28 de junho foi escolhido para comemorar o Orgulho LGBTQIAP+ por ter sido a data inicial de um movimento muito importante nessa comunidade: o protesto de Stonewall.
Em 1969, em Nova York, o bar Stonewall Inn recebia o público gay. Prática pouco comum na época, já que tornava os bares alvos de batidas policiais.
Na data em questão, a entrada da polícia no bar levou à explosão da rebelião de Stonewall, seguida por protestos e formação de um movimento ativista na cidade.
Um ano após a eclosão dos protestos, em 1970, aconteceu a primeira Marcha LGBTQIAP+ em NY e várias cidades estadunidenses, dando início às paradas LGBTQIAP+ pelo mundo.
Em 2016, o bar Stonewall Inn foi declarado monumento histórico nacional e hoje se tornou um símbolo da resistência e da cultura queer.
Brasil e movimento LGBTQIAP+
Mesmo com os avanços no movimento dora do país, o Brasil teve uma linha do tempo mais curta. Hoje, ainda existe muita insegurança para pessoas LGBTQIAP+: em 2021, os casos de violência contra essa minoria cresceram em 33%.
A maioria das vítimas são pessoas trans em outras situações de vulnerabilidade, como desemprego e habitação inadequada. Para entender o estado da realidade LGBTQIAP+, é preciso compreender a história do movimento no Brasil e o que ainda precisa ser conquistado.
1980: Stonewall BR
Foi em 1980 que o delegado José Wilson Richetti promoveu a Operação Limpeza, estratégia de combate policial à população LGBT+ de São Paulo.
Durante dois meses, forças policiais trabalharam com o objetivo de “varrer” pessoas gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros dos espaços públicos da cidade. Em protesto, no dia 13/06 do mesmo ano, manifestantes se reuniram no Theatro Municipal para repudiar as ações das forças policiais e denunciar a lgbtfobia.
No mesmo ano, aconteceu o primeiro Encontro Brasileiro de Homossexuais, que serviu como ponto de partida para diferentes setores do movimento.
1983: GALF e orgulho lésbico
Um grupo de mulheres lésbicas foi proibido de divulgar seu jornal ativista, o Chanacomchana, no Ferro’s Bar, em SP. Em busca de mais voz no movimento e liberdade para ser quem eram, epas criaram o Grupo de Ação Lésbica Feminista, ou GALF, organizaram protestos e reverteram a decisão. A data da mobilização, 29 de agosto, hoje representa o Dia do Orgulho Lésbico no Brasil.
1985: GAPA + triângulo rosa contra a desinformação
Os anos 80 viram o crescimento da epidemia da AIDs, que tornou a repressão ao movimento LGBT ainda mais forte. Vista pela sociedade como um tipo de “castigo” para a população gay (em especial, homens que se relacionavam com homens), deu margem para perseguições, apagamento e dissolução de grupos ativistas.
Porém, as circunstâncias trouxeram uma pressão ainda maior do movimento por políticas públicas adequadas. Foi fundado o GAPA, Grupo de Apoio à Prevenção à AIDs, o que culminou na criação do programa governamental de cuidados aos pacientes soropositivos.
O grupo Triângulo Rosa, no Rio de Janeiro, se uniu a outros grupos LGBTQIAP+ para promover esclarecimento na era da desinformação: campanhas visavam remover o estigma e lutar pela remoção da homossexualidade do rol de doenças do Conselho Federal de Medicina.
1992: o ponto T da questão
Ainda que as décadas anteriores tenham trazido alguns avanços para a comunidade gay brasileira com as pessoas transgêneros ainda estavam lidando com múltiplos barreiras para existir.
Foi fundada a Astral (Associação de Travestis e Liberados) no Rio e o movimento transgênero e travesti começou a tomar forma dentro e fora dos espaços LGBT. No mesmo ano, Katya Tapety foi eleita vereadora no sertão do Piauí, se tornando a primeira travesti eleita no Brasil.
1997: Parada LGBTQIAP+
Ainda que outras manifestações políticas tenham ocorrido antes, em 1997 aconteceu oficialmente a primeira Parada LGBTQIAP+ em São Paulo.
Hoje, o evento paulista agrega pessoas de diferentes partes do país, celebra o orgulho e luta pela igualdade – além de ser a maior parada LGBTQIAP+ do mundo, com cerca de 4 milhões de participantes.
1999: Não existe cura para o que não é doença
Apesar da homossexualidade não ser considerada doença pelo CFM, muitos profissionais da psicologia ainda praticavam terapias de conversão, a chamada “cura gay”. A prática foi banida pelo Conselho Federal de Psicologia em 1999, mas em 2017, um grupo tentou reverter a decisão. À época, o STF não aceitou a prática, mas ela ainda existe pelo mundo.
2011: União estável
Foi em 2011 que o STF equiparou os casais homoafetivos em relação à união estável. Até então, o Código Civil considerava união estável “entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Porém, no julgamento do STF, considerou-se inconstitucional impedir que os privilégios e deveres e de uma união estável fossem negados a casais homoafetivos. Assim, esses casais têm os recursos legais para oficializar sua união e dispor de direitos como pensão por morte, dependência legal, parentalidade, regimes de divisão de bens, entre outros.
2016: Nome social
Uma das barreiras enfrentadas pelas pessoas trans é o nome. Como a maioria dos nomes tem referencial cultural de gênero, é comum que essas pessoas não se sintam confortáveis ao serem chamadas pelos nomes de nascença.
O Decreto 8727, de 2016, dispôs sobre o uso do nome social, ou seja, nome pelo qual a pessoa se identifica e é socialmente reconhecida, na esfera administrativa. Diz o documento:
“A pessoa travesti ou transexual poderá requerer, a qualquer tempo, a inclusão de seu nome social em documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.”
Outro ponto importante é que o decreto determina o registro nos sistemas de cadastro do nome social, sendo ele o prioritário nas questões documentais. A partir de sua publicação, também se tornou obrigatório oferecer a retificação de documentos oficiais, para incluir o nome social.
2019: Criminalização da LGBTfobia
A mudança mais recente no histórico do movimento LGBTQIAP+ brasileiro é a criminalização da LGBTfobia. Em decisão do STF, foi atrelada à lei do racismo a previsão de punição contra atos de “discriminação por orientação sexual e identidade de gênero”.
Como tornar sua instituição mais receptiva para pessoas LGBTQIAP+?
Colocando a história do movimento LGBTQIAP+ brasileiro em uma linha do tempo, é possível ver que, mesmo em meio a avanços, há barreiras a serem quebradas.
Entre a violência, a diminuição de oportunidades de trabalho e a falta de reconhecimento das questões LGBTQIAP+ na sociedade, é preciso combater a desinformação com educação.
Nesse sentido, as instituições de educação superior (IES) podem ser aliadas e promover espaços seguros para que essa democratização ocorra. Conheça iniciativas para comemorar o Orgulho o ano inteiro:
Linguagem e pertencimento
O primeiro passo para um ambiente acolhedor é que ele seja inclusivo no diálogo. Ou seja, evitar linguagem heteronormativa é um começo. Por exemplo, que tal ao invés de usar “alunos e alunas”, usar “estudantes”? Ou oferecer aos alunos a opção de utilizar apenas seu nome social? Ou remover termos ofensivos do vocabulário?
Em dúvida sobre uma linguagem acolhedora e respeitosa? A Aliança Nacional LGBTI criou o Manual da Comunicação Inclusiva.
Inclusão no currículo
A função de uma IES é transformar a produção científica e trazer inovação. Por isso, a realidade da comunidade LGBTQIAP+ deve estar incluída como parte do currículo. Direitos humanos, saúde, políticas públicas e questões sociais fazem parte das barreiras que essas pessoas enfrentam – por isso, é essencial que a comunidade acadêmica as enxergue.
Apoio institucional
Para que a comunidade acadêmica se sinta confortável e segura para expressar sua totalidade, é importante que a instituição em si tenha as ferramentas necessárias para combater qualquer tipo de discriminação.
Essas estratégias podem ser desde denúncias anônimas até recursos como comitês administrativos que lidam com instâncias de LGBTfobia. Assim, os estudantes terão a ciência de que o ambiente não é hostil e que poderão expressar sua sexualidade, e identidade de gênero sem preocupação com segurança e integridade.
Outra forma que a instituição de educação superior pode tomar em sua contribuição para a comunidade LGBTQIAP+ é o apoio a projetos que valorizem e desenvolvam pessoas em vulnerabilidade social.
Existem, por exemplo, ONGs que trabalham diretamente com a recolocação no mercado de trabalho e estratégias de formação profissional para pessoas que foram marginalizadas por sua identidade de gênero ou sexualidade.
Se as IES puderem oferecer apoio de forma institucional para essas organizações, como em projetos de extensão, o trabalho será potencializado e mais pessoas poderão usufruir de recursos de ensino e pesquisa.
Espaços seguros administrativos
Como a IES lida com casos de discriminação? Um dos pontos mais importantes do acolhimento é que a pessoa se sinta segura para buscar seus direitos. Ou seja, além de promover diversidade na educação superior, os gestores devem ativamente saber o que ainda precisa mudar.
Comitês de diversidade, associações de alunos e educadores
A melhor forma de entender as demandas das pessoas LGBTQIAP+ em sua comunidade acadêmica é: perguntando!
Apoie a criação de associações discentes e docentes LGBTQIAP+, para que pessoas se encontrem e dividam suas vivências dentro e fora do espaço. Com essa comunidade engajada, o diálogo também se enriquece.
Além disso, os gestores podem criar um comitê de diversidade voltado para analisar as políticas de inclusão da IES, pesquisar informações relevantes e evitar que a pauta seja esquecida dentro de outras demandas organizacionais.
Um comitê de diversidade também atua como um filtro, promovendo estratégias de inclusão e evitando circunstâncias de discriminação dentro daquele espaço acadêmico. Dessa forma, o comitê também serve como guia norteador de novas estratégias e políticas de inclusão para o futuro, baseado nas informações do convívio de alunos, professores e membros da equipe administrativa.
Olhar crítico para dentro
Além de pensar em iniciativas para acolher estudantes, uma parte importante é refletir sobre a realidade atual. Ou seja, ter um olhar crítico para as ações de inclusão realizadas na IES ajuda a determinar quais lacunas ainda estão faltando.
É fundamental, com a ajuda de um comitê de diversidade, entender se pessoas LGBTQIAP+ se sentem seguras e confortáveis para se expressar neste espaço acadêmico. Caso haja barreiras, a IES deve encontrar formas de quebrá-las para promover a melhoria da experiência do aluno.
Como trabalhar o dia do orgulho em sua IES
Com os dias relacionados ao orgulho LGBTQIAP+, a IES pode aproveitar para incluir na sua programação atividades que tragam à tona as questões sociais relacionadas ao movimento.
Que tal palestras e oficinas realizadas por profissionais LGBTQIAP+ que tenham experiências de vida para dividir? A representatividade é um aspecto importante do movimento e enxergar pessoas LGBTQIAP+ com experiências positivas em diferentes campos contribui para isso.
Também é uma oportunidade para abrir diálogo sobre questões como linguagem inclusiva, saúde, educação, entre outras, dentro das salas de aula. Se o recorte LGBTQIAP+ está presente nas discussões, estudantes terão mais contato com vivências diversas.
Outro ponto para desenvolver a diversidade na educação superior é incluir recursos feitos por pessoas de diferentes realidades. Inclua autores LGBTQIAP+ nas bibliografias, promova conteúdo audiovisual do movimento, traga recursos de aprendizagem diversos para a grade curricular, etc.
Com esse trabalho voltado para a inclusão desde a concepção do curso e do currículo, a IES se torna um ambiente muito mais acolhedor e uma aliada na causa LGBTQIAP+.
Com as iniciativas de inclusão, a IES promove pertencimento e desenvolve o senso de comunidade dentro e fora da sala de aula.
Esperamos que nosso conteúdo sobre o Dia do Orgulho tenha te ajudado a entender como acolher melhor os alunos em sua IES. Agora, que tal ler sobre como direcionar o investimento na educação superior?