A cultura racista a que estamos expostos tem sido discutida há mais de um século no país. Apesar de a escravidão ter sido legalmente abolida do Brasil em 1888, os desdobramentos do tráfico negreiro e das transformações sociais a partir da chegada dos povos africanos é parte do nosso dia a dia até hoje.
Apesar de carregarmos em nosso país traços culturais, religiosos e gastronômicos incorporados pelos povos africanos, é preciso entender que a sua vinda para o Brasil não parte de uma decisão autônoma, mas de uma imposição violenta, promovida por uma intensa atividade econômica, da venda de pessoas como itens servis.
Uma relação assim tão assimétrica, entre pessoas brancas e negras, deixou marcas inegáveis na nação. A abolição da escravidão não contemplou projetos de integração de ex-escravizados na sociedade, e consequentemente permaneceu o estigma do povo preto como algo diferente do humano.
Mais de um século depois, pessoas negras sofrem, em diversos espaços, ações de segregação e humilhação, pelo simples fato de a cor de sua pele remeter a uma série de estigmas sociais e ideias sobre padrões comportamentais.
Também vale reforçar que pessoas negras não são as únicas que sofrem racismo em nossa sociedade. Povos indígenas, imigrantes asiáticos, refugiados e vizinhos latinos são sempre considerados inferiores.
O racismo é parte da narrativa de quem acredita na hierarquia entre pessoas a partir do seu tom de pele, e que reproduzem determinados comportamentos racistas, pela incorporação dessas práticas na nossa educação, que se dá em casa e nos outros espaços sociais que frequentamos.
Um desses espaços, que inclusive está inserido formalmente em uma perspectiva de formação de pessoas, são as instituições escolares. Sejam escolas de ensino básico, técnicas ou instituições de educação superior (IES), as pautas antirracistas podem, e devem, fazer parte do processo formativo.
É preciso entender que, como um local de convívio das diferenças, os centros educacionais devem promover a compreensão dessas diferenças e combater quaisquer tipos de discriminação, incluisve as raciais, que povocam enormes feridas nas pessoas expostas a esse tipo de prática criminosa.
Se por um lado o racismo está enraizado nas estruturas da sociedade, a educação antirracista pode agir como um passo importante para nos libertar de preconceitos e promover debates necessários entre as pessoas, para que possamos entender porque repetimos esses comportamentos e como podemos combatê-los.
Vontade e intenção devem fazer parte desse processo, para que as IES consigam estruturar uma proposta pedagógica antirracista. Para promover relações igualitárias, sem estigmatização do potencial intelectual a partir da cor de pele, é preciso firmar um compromisso com essa pauta.
Continue essa leitura para saber mais sobre educação antirracista e como as IES podem trabalhar como aliadas da promoção de igualdade!
O que é educação antirracista?
A educação antirracista é aquela que está comprometida com a abolição da ideia de inferioridade e superioridade de raças e que, além disso, entende e valoriza as diferenças. Para isso, promove discussões sobre o assunto em vários níveis e plataformas.
Para promover uma educação comprometida com todas as pessoas, é preciso questionar os parâmetros existentes. Como é a presença de pessoas racializadas em sua IES? A temática faz parte do currículo?
Pode parecer óbvio, mas para estar alinhado a uma pauta antirracista, é preciso compreender que o racismo existe, faz parte de todos nós que estamos expostos a uma sociedade racista e precisa ser visto para ser combatido.
A educação antirracista é aquela que está comprometida com a abolição da ideia de inferioridade e superioridade de raças e que, além disso, entende e valoriza as diferenças. Para isso, promove discussões sobre o assunto em vários níveis e plataformas.
A igualdade é sim uma meta da educação antirracista, desde que ela não venha acompanhada do apagamento da diversidade, das diferenças entre as pessoas, mas — pelo contrário — que ela seja alcançada por meio de esforços coletivos de igualar as oportunidades.
A educação antirracista também precisa contemplar um grande nível de empatia, para acolher situações que geram desconforto para as pessoas não brancas e buscar soluções para os impasses que envolvam processos discriminatórios.
É muito mais do que um planejamento, é ação. E entre essas ações, o direcionamento pedagógico também se faz necessário, com a inclusão contextual dessas pautas na formação dos alunos.
Uma educação significativa preconiza a instrução dos futuros profissionais com o olhar atento para os fenômenos da sociedade. Dessa forma, essas pessoas estarão mais preparadas para a vivência profissional, principalmente em ambientes de valorização da diversidade, como várias empresas têm tentado criar.
Outro passo imprescindível para fomentar uma educação antirracista é apostar na formação de professores, em cursos de licenciatura disponibilizadas pelas IES. Um professor preparado pode quebrar círculos viciosos de discriminação, seja na educação básica ou superior.
Apesar de uma proposta de educação antirracista não ser um trunfo das IES, e sim uma obrigação, esses espaços podem se tornar referência em justiça e acolhimento.
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Qual o objetivo de uma educação antirracista?
A educação antirracista tem como proposta a quebra de um sistema complexo, e para isso é preciso estar comprometido com a causa. As instituições devem trabalhar inspirando o mercado a seguir essa proposta.
Fazer uma proposta pedagógica antirracista é romper com o silêncio sobre o assunto e debater temas que podem ser incômodos para aqueles que não acreditam nas desigualdades implicadas pela cor de pele. É romper barreiras dolorosas que abafam temas importantes.
Se silenciar diante do racismo, num contexto educacional, é impedir que vários talentos consigam florescer nas mais diversas áreas, apenas pela não aceitação da cor de pele como condizente para aquela função.
A educação antirracista trabalha a empatia, para evitar que as pessoas que sofrem racismo acabem se machucando e se fechando cada vez mais em todas as fases de vida. A baixa autoestima, sensação de não pertencimento, baixa participação nas atividades escolares podem ser efeitos da discriminação.
Isso reforça os estigmas de inferioridade intelectual, e contribui para a evasão escolar. Ao mesmo tempo, é comum que isso reforce nos alunos brancos, mesmo que de forma sutil, a sensação de superioridade.
A educação antirracista deve ser uma premissa de qualquer curso, seja da área de humanas, exatas, biológicas, das artes, etc. Falar sobre a dignidade humana e sobre igualdade de oportunidades sempre deve ter espaço em qualquer disciplina que lida com dilemas da humanidade.
Por que buscar uma educação antirracista?
O impacto socioemocional das vítimas de racismo é difícil de mensurar: além de não estabelecer as mesmas conexões com seus pares, elas sofrem com discriminação no dia a dia e nos ambientes de estudos e trabalho.
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi responsável por um estudo que comprova a relação entre preconceitos sofridos e problemas de saúde, físicos e psicológicos.
Pessoas que foram vítimas de discriminação possuem quatro vezes mais chance de desenvolver quadros de depressão e/ou ansiedade. Além disso, é possível traçar uma correlação com maior risco de picos de pressão, a partir da liberação de hormônios de estresse.
A hostilidade também impacta o ambiente em si: com o tempo, o espaço se torna cada vez mais negativo e desagradável para todos os envolvidos. Ou seja, além de causar transtorno à vítima, o racismo também faz com que outras pessoas não se sintam pertencentes.
Quando falamos de racismo, não podemos separar a motivação da consequência. Ele está presente em situações que abrangem desde piadas ofensivas até uma suspeita infundada de roubo, por exemplo. A população negra convive, diariamente, com o fim injusto de várias vidas, vítimas de violência e ódio.
Isso promove a sensação de medo e vigilância constantes. O acesso à saúde pública também se torna mais difícil. Uma herança do período da escravidão é a ideia de que pessoas negras suportam mais dor e são mais fortes e resilientes que as demais.
Com um atendimento mais precário e diante de problemas tão sutis quanto os de saúde mental, que podem ser confundidos com padrões comportamentais, pessoas negras estão sujeitas a lidar com grandes cargas de sofrimento, em silêncio.
E por que esses dados são tão importantes para pensarmos uma educação antirracista? Porque as instituições de ensino, sejam de nível básico ou superior, são as que irão formar os profissionais do futuro.
Uma abordagem antirracista na educação tem impactos em todos os setores da sociedade, a partir da criação de um olhar empático para o sofrimento, do desenvolvimento do senso de justiça e da vontade de mudança das pessoas que buscam formação.
A possibilidade de transformação do mundo, por meio da educação, precisa sair da dimensão do discurso e atingir o nosso dia a dia, cada vez mais. E esse é um trabalho conjunto, que deve ser dividido entre toda a comunidade acadêmica.
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Legislação educacional antirracista
As mudanças na legislação acontecem de acordo com as transformações que a sociedade encara. Ainda que a temática do racismo tenha uma grande lacuna a ser percorrida para alcançar as demandas que apresenta, já podemos notar que existe um movimento que reforça essa necessidade.
De acordo com a lei 10639, de janeiro de 2003,
“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
- 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
- 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
No mesmo sentido, a lei 11645, de março de 2008, acrescenta a questão de populações indígenas às pautas educacionais:
- 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
- 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.”
A ideia é que, ao longo do tempo, os alunos entrarão em contato com temáticas raciais de acordo com seu nível educacional, permitindo que as diretrizes se tornem cada vez mais inclusivas.
Além disso, a estratégia permite que os centros educacionais desenvolvam continuamente novos conteúdos científicos e culturais sobre a inequidade racial. Se mais alunos chegam ao ensino superior com conhecimento e referências, mais estudantes terão essa vivência para levar para o mundo acadêmico.
Como consequência, as mais diversas áreas também se tornam mais receptivas ao debate. Por exemplo, se um aluno chega ao curso de medicina e aprende sobre desigualdade na pesquisa de saúde, provavelmente terá mais cuidado que seus predecessores na prática profissional.
Analogamente, se um advogado estuda Direitos Humanos com olhar cuidadoso para a diversidade racial, terá esse ponto de referência quando atuar no mundo jurídico. A ideia é que o movimento se torne contínuo, permitindo que cada vez mais setores da sociedade estejam devidamente engajados no antirracismo.
6 pontos para colocar a educação antirracista em prática nas IES!
A seguir, elencamos alguns pontos nos quais a sua IES pode atuar para construir uma educação antirracista. Confira!
- Acolhimento;
- Quebra de padrões;
- Apoio aos estudantes negros;
- Projetos práticos;
- Respeito à autopercepção da pessoa negra;
- Entendimento do racismo na atualidade;
- Sensação de pertencimento;
- Parcerias externas;
- Preparo do corpo docente;
- Material antirracista.
1. Acolhimento
Para que as IES se comprometam com uma proposta educativa antirracista, é preciso que algumas ações sejam implementadas. A primeira delas diz respeito ao posicionamento da instituição.
Se sua faculdade, universidade ou centro universitário não possui ações voltadas para mitigar processos discriminatórios, além de rever a postura, é preciso entender que há uma falha institucional e, portanto, a estratégia da IES deve estar alinhada à sua capacidade de oferecer um ambiente justo e seguro para todos.
Isso porque, mesmo que você professor ou coordenador tente mudar a forma de atuar nesses casos, é necessário que haja um comprometimento a nível administrativo, institucional e operacional.
E para falarmos de uma educação mais inclusiva, que não reforça padrões de discriminação, é preciso que haja acolhimento institucional das demandas da comunidade acadêmica. E é aqui que se encontra um ponto chave da construção de um espaço seguro.
Quem é a minha comunidade acadêmica? Certamente você deve reconhecer que esse grupo é formado por muito mais do que discentes. É preciso que professores, funcionários da limpeza, portaria, administrativos e as pessoas da comunidade do entorno, sintam que a IES é um espaço que não compactua com processos discriminatórios.
O acolhimento não é apenas uma boa atuação diante de casos de racismo, mas o compromisso da instituição de que esse tipo de comportamento não é tolerado. Campanhas educativas devem ser feitas durante todo o ano, não apenas em datas marcantes.
2. Quebra de padrões
Como mencionado anteriormente, há certa dificuldade por parte da população na identificação de práticas racistas. Isso ocorre porque, no Brasil, há uma crença muito forte na democracia racial, ou seja, de que brancos e não brancos são iguais e possuem as mesmas oportunidades.
Essa errônea ideia de igualdade e plena capacidade de ascensão social e econômica de pessoas não brancas nos faz reproduzir uma série de comportamentos meritocratas, que desconsideram as dificuldades impostas a parte da população, principalmente as pessoas negras.
A quebra de padrões racistas precisa estar ancorada no projeto de gestão das IES. Com isso, é possível estabelecer diretrizes amplas de apoio a essa perspectiva, que vão desde o atendimento ao aluno, uso de materiais didáticos mais inclusivos, até formas de contemplar a valorização da diversidade no projeto de divulgação da IES.
3. Apoio aos estudantes negros
Uma forma da IES apoiar os estudantes negros para construir um espaço antirracista é promover ações afirmativas que garantam o acesso e a permanência — com inclusão financeira — desses estudantes na educação superior.
Além disso, a instituição deve oferecer oportunidades de formação continuada sobre temas relacionados à diversidade étnico-racial, ao combate ao racismo e à valorização da cultura afro-brasileira.
A IES também deve incentivar a participação dos estudantes negros em projetos de pesquisa, extensão e cultura que abordem as questões raciais de forma crítica e reflexiva. Por fim, é preciso estimular o diálogo e o respeito entre os diferentes grupos que compõem a comunidade acadêmica, buscando construir um ambiente de convivência harmonioso e inclusivo.
4. Projetos práticos
A educação inclusiva e antirracista vai além das salas de aula. Envolver os alunos em projetos de extensão que se conectam à comunidade é uma maneira poderosa de traduzir teoria em prática, buscando promover a mudança real.
Ao participar de projetos práticos, os alunos têm a oportunidade de:
- Aplicar o conhecimento: Colocar em prática o aprendizado adquirido, contribuindo de forma tangível para a solução de problemas reais relacionados ao racismo.
- Desenvolver a empatia: O contato direto com a comunidade permite que os estudantes compreendam melhor as experiências e desafios enfrentados pelas minorias étnicas.
- Fortalecer o envolvimento cívico: Projetos de extensão incentivam os alunos a se tornarem cidadãos ativos, envolvidos na construção de uma sociedade mais justa.
- Ampliar a conscientização: Ao interagir com a comunidade, os estudantes ajudam a disseminar a conscientização sobre questões raciais e a importância da educação antirracista.
Essa abordagem não apenas enriquece o aprendizado dos alunos, mas também fortalece os laços entre a instituição de ensino e a comunidade, tornando a educação antirracista uma realidade tangível e transformadora.
5. Respeito à autopercepção da pessoa negra
Um fenômeno muito comum no Brasil é a dificuldade de parte da população em se autodeclarar negra. E essa é uma realidade que vem se transformando a partir do fortalecimento do movimento negro no país, das políticas identitárias, e da inclusão dessas pautas no dia a dia das pessoas.
Em cinco anos, entre 2012 e 2018, o número de pessoas autodeclaradas pretas e pardas no Brasil cresceu de 53,1% para 56,4%. O que explica isso não é o número de nascimentos, porque no mesmo período houve diminuição de pessoas autodeclaradas brancas.
Mulheres negras são as principais vitimas de homicídio, sofrem mais violência no parto e os homens negros jovens também são parte preponderante das estatísticas de morte. Por mais que a autodeclaração não mude a cor da pele, muda a percepção de direitos, segurança, aceitação, entre outros.
Para algumas pessoas o racismo deixou marcas, mas nunca foi um assunto discutido na família. Muitas delas notavam o tratamento distinto, mas não necessariamente vinculavam as vivências à cor da pele.
Muitas vezes chamadas morenas, ou mulatas, as mulheres negras por vezes alisaram os cabelos ou desejaram traços “mais finos”, mas seguiram sem compreender a gênese de seus pensamentos e da construção de sua autoestima.
E qual o papel das IES diante disso? Ser um porto seguro para a descoberta e aceitação da identidade racial. As instituições precisam promover a pauta de igualdade, utilizar referências negras, para que haja um processo de identificação por parte dos estudantes.
Não falar sobre o racismo não diminui a dor de quem sofre. A promoção da autopercepção de forma natural e não estigmatizada pode ser um caminho para que a comunidade acadêmica não branca possa sentir pertencimento.
6. Entendimento do racismo na atualidade
Em um mundo cada vez mais globalizado e diverso, pode ser tentador acreditar que o racismo é uma questão do passado. No entanto, é crucial compreender que o racismo persiste na sociedade atual.
Por mais que muitos acreditem que o racismo tenha ficado para trás, ele segue de maneiras muitas vezes sutis, mas igualmente prejudiciais. O racismo velado faz com que as pessoas acreditem que o problema foi superado, mas este é um equívoco que pode perpetuar o problema.
Hoje, o racismo se manifesta não apenas em ações discriminatórias evidentes, mas também em estruturas sociais, preconceitos arraigados e desigualdades sistêmicas. Para promover uma educação antirracista eficaz, é fundamental compreender e discutir abertamente como o racismo opera na atualidade.
Ao enfrentar a realidade do racismo persistente, pode-se criar um ambiente de aprendizado mais inclusivo e igualitário. Educar sobre as formas contemporâneas de racismo e suas ramificações é um passo crucial para promover a justiça e a igualdade racial, tanto nas comunidades quanto nas IES.
7. Sensação de pertencimento
E por falar em pertencimento, como podemos criar um sentimento tão sutil, mas ao mesmo tempo tão potente, capaz de vincular pessoas e instituições? Para fazer parte, é preciso se sentir bem-vindo, e existem diversas ações que colaboram para que isso aconteça.
Ter um corpo docente representativo demonstra aos alunos que outras pessoas negras conseguiram chegar em lugares importantes com a sua formação, apesar de todas as adversidades. Pessoas não brancas em cargos de destaque e liderança também podem surtir esse efeito.
Além disso, é reconfortante saber que existem pessoas que participam do seu processo formativo que compreendem as dificuldades inerentes a ser uma pessoa negra no Brasil.
Já parou pra pensar quantas vezes, nas produções audiovisuais, nos deparamos com pessoas negras apenas representando cargos subalternos? Isso já melhorou ao longo dos anos, mas ainda enfrentamos situações inaceitáveis, como pessoas brancas representando personagens negros.
Pessoas negras devem ocupar, na ficção ou na vida real, espaços diversos, dos quais desejam participar. Existem excelentes profissionais que poderiam ter ainda mais destaque se a cor de sua pele, ou textura de seus cabelos, não fossem lidos como impeditivos para um potencial intelectual equivalente aos brancos.
Essa presença de pessoas negras nas IES não diz respeito apenas à presença da comunidade acadêmica, mas também à organização do espaço. Quais imagens presentes nos corredores das IES, nas propagandas, nos quadros de avisos? Tudo isso cria um clima muito mais acolhedor.
8. Parcerias externas
No caminho para uma educação antirracista, parcerias externas são catalisadores poderosos. Palestrantes, militantes do movimento negro e organizações engajadas trazem expertise e vivências únicas para a sala de aula.
Suas histórias inspiram, educam e desafiam percepções, estimulando debates cruciais sobre o racismo. Ao compartilhar experiências reais, esses colaboradores promovem empatia e conexão entre estudantes, reforçando a importância da solidariedade na luta contra o preconceito racial.
Além disso, essas parcerias estendem pontes entre a IES e a comunidade, fomentando uma compreensão mais profunda dos problemas enfrentados pelas minorias étnicas. Ao integrar vozes externas, a educação antirracista transcende os limites da sala de aula, transformando-se em uma jornada coletiva para um futuro mais igualitário e inclusivo.
9. Preparo do corpo docente
O principal caminho para uma sociedade menos racista é a educação das pessoas. E esse deve ser um dos objetivos dos docentes envolvidos em qualquer processo formativo. Para que isso ocorra da melhor forma possível, é necessário que essas pessoas tenham instrução adequada sobre o tema.
E não basta conhecer, é preciso saber ensinar! Muitos professores veem algum tipo de má conduta acontecendo em suas aulas, mas não sabem necessariamente como agir. E não se engane, é preciso agir. Fingir que não está acontecendo não tornará o mundo melhor.
Para que isso ocorra, no entanto, é preciso ter uma conduta coletiva, pautada nos valores da IES, que deve delimitar junto a seus docentes como atuar em certos casos. Isso dá segurança aos professores, vítimas de discriminação e ainda cria limites rígidos em torno do assunto.
Além disso, é preciso promover capacitações que contemplem a realidade do racismo no Brasil, para que a formação inicial dos professores não seja definidora das condutas empregadas.
A proximidade com os alunos, nas salas de aula, faz com que professores possam intervir de forma efusiva, sem ter que romper vínculo com os discentes que possuem comportamento discriminatório. O papel do professor não é julgar, mas conduzir conversas e reflexões racionais a respeito do tema.
É preciso lembrar que os alunos, mesmo aqueles não brancos, podem reproduzir uma série de comportamentos aprendidos e reforçados nos mais diferentes espaços e contextos, tornando-os parte de um complexo sistema que mantém desigualdades.
10. Material antirracista
Uma prática educacional antirracista precisa estar amparada em materiais educativos igualmente comprometidos com a causa. Mas o que seria, exatamente, esse material? É possível saber quais materiais reproduzem racismo e quais não?
Infelizmente, salvo em casos que vêm a público, é muito difícil definir quais materiais estão comprometidos com essa perspectiva sem antes ter acesso a eles. Mas existem algumas diretrizes para as pessoas que os escolhem e montam os planejamentos educacionais.
A primeira delas é observar sob qual olhar a história é contada. Em basicamente todos os cursos há elementos históricos vinculados às práticas profissionais. O modo de contá-los é que delimita se há compromisso com perspectivas antirracistas ou não.
Um exemplo clássico, dentro da história do Brasil, é a retratação de pessoas escravizadas e do processo de colonização. Para que possamos contar essa história de forma justa, é possível recorrer aos estudos decoloniais, que podem ser incorporados a quaisquer conteúdos que retratam esse período do país.
Um olhar atento vale muito! Professores, alunos, e demais participantes da comunidade acadêmica, devem desenvolver o pensamento crítico a respeito das questões de raça, para serem capazes de ver os desdobramentos da descriminação em quaisquer cenários.
Na educação antirracista, é preciso consumir conteúdo negro. Por isso as IES devem investir nas narrativas pretas em todas as frentes educativas. Uma biblioteca com títulos escritos por autores negros é imprescindível para marcar, cada vez mais, a presença desses autores na cena intelectual.
Palestras, aulas magnas, e eventos de abertura do semestre podem ser protagonizados por pessoas negras. E não apenas para falar sobre questões relativas ao racismo, mas também sobre o tema que lhes é caro, naturalizando a liberdade de pessoas negras em falar sobre quaisquer assuntos.
Datas importantes para a educação antirracista
No Brasil, várias datas são importantes para a promoção da educação antirracista e a conscientização sobre questões raciais. Algumas delas incluem:
- Dia da Consciência Negra – 20 de Novembro
Esta data é fundamental para a educação antirracista no Brasil! Ela homenageia Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, e serve como um lembrete da resistência afro-brasileira à escravidão e à discriminação. É um dia de reflexão sobre a história e a cultura afro-brasileira, bem como de combate ao racismo em todas as suas formas.
- Abolição da Escravatura – 13 de Maio
Embora seja uma data celebrada, o 13 de Maio também é um momento para relembrar que a abolição da escravatura não foi o fim do racismo no país. É uma oportunidade para discutir as desigualdades raciais persistentes e a necessidade de educação antirracista.
- Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial – 21 de Março
Esta data, estabelecida pela ONU, destaca a importância da luta contra a discriminação racial em nível global, incentivando ações para eliminar o racismo.
- Mês da Consciência Negra – Novembro
Além do Dia da Consciência Negra, o mês de novembro é marcado por uma série de eventos, atividades e discussões sobre questões raciais e a promoção da igualdade.Essas datas nacionais são oportunidades para enfatizar a importância da educação antirracista, para discutir as desigualdades raciais no Brasil e para inspirar ações concretas no combate ao racismo.
No entanto, é fundamental que o compromisso com a educação antirracista vá além dessas datas, tornando-se uma parte integrante do currículo escolar, das políticas públicas e das práticas institucionais em todo o país.
Porque devemos criar uma educação antirracista desde a infância?
Devemos iniciar a educação antirracista desde a infância porque esse é o período crucial em que as crianças estão moldando suas percepções, valores e atitudes em relação à raça e à diversidade.
Ao introduzir conceitos antirracistas desde cedo, estamos plantando as sementes da compreensão, empatia e igualdade. As crianças são naturalmente curiosas e abertas à aprendizagem, tornando esse momento ideal para explorar temas raciais de maneira acessível e apropriada à idade.
Além disso, a educação antirracista desde a infância ajuda a prevenir a internalização de estereótipos prejudiciais e preconceitos, que podem ser difíceis de desfazer nas próximas fases da vida. Ao criar uma base de valores antirracistas, estamos construindo uma sociedade mais justa, onde a igualdade é valorizada e o preconceito racial é combatido ativamente.
Portanto, a educação antirracista desde a infância é essencial para preparar as gerações futuras para um mundo mais equitativo e inclusivo. E, para trabalhar com isso, nada melhor do que um bom livro!
Uma obra indicada para crianças é Pequenas vidas pretas importam, que traduz esta famosa frase para os mais novos. No livro, são apresentados 15 heróis pretos e a mensagem que passaram, utilizando as rimas como recurso de aprendizagem.
O papel do docente na educação antirracista
O processo de construção de uma educação antirracista envolve diferentes formas de trabalho. Neste sentido, combater ativamente a ignorância e os preconceitos faz parte do processo educacional – principalmente da parte dos docentes.
O docente antirracista tem o cuidado de selecionar materiais que promovam diversidade racial em sua IES. Opta por uma biblioteca que inclua autores racializados, traz diálogo sobre barreiras sociais do racismo e inclui alunos de diferentes vivências em seu projeto pedagógico.
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Também é fundamental se manter atualizado. Mesmo profissionais com intenção de combater o racismo em suas atividades podem estar desatualizados. Para evitar que isso ocorra, o docente deve ir além do mundo acadêmico: acompanhar notícias e debates sociais para compreender quais temáticas devem ser levadas para a sala de aula.
O ponto fundamental, porém, é a escuta: docentes brancos não terão a mesma vivência de alunos não brancos, e isso faz toda a diferença na forma como encaram as circunstâncias. Mesmo a pessoa estando bem informada sobre racismo, ela não tem compreensão da intensidade como uma vítima.
Portanto, abrir espaço para que pessoas que enfrentam o racismo digam o que sentem e o que buscam, inclusive na sala de aula, é parte do projeto antirracista.
A partir de tudo que pudemos discutir, é notável que o racismo possui grandes alicerces na sociedade e que a educação é a ferramenta capaz de transformar essas estruturas para melhor, por isso faz-se necessário o comprometimento coletivo com as pautas antirracistas.
A educação é a forma mais gentil e abrangente de atingir os objetivos de igualdade e de promoção da dignidade humana, em conjunto com as políticas públicas e questões culturais das pessoas não brancas.
Como pudemos perceber, uma sociedade racista, com ações de ódio, só traz sofrimento e adoecimento a todos os envolvidos, e com ações simples, mas cheias de intenção e transformação, é possível mudar o pensamento de muitas pessoas, que irão se tornar multiplicadores de boas práticas.
A beleza da educação está não apenas no ensinar determinada prática ou conteúdo, mas em deixar diretrizes de uma vida melhor para a humanidade. As questões de raça precisam de um olhar sensível, e do empenho sincero de todos nós.
Esperamos que você tenha gostado deste artigo sobre educação antirracista. Para continuar lendo um pouco mais sobre a importância da diversidade, separamos este artigo sobre como promover a inclusão de estudantes com deficiência no ensino superior.