Pensar no que é a prática de ensino, em suas mais variadas manifestações, pode nos direcionar a uma imagem de uma sala de aula convencional, com um professor à frente e os alunos enfileirados enquanto o docente expõe o conhecimento a ser apreendido pelos discentes. Reconhece essa cena, de algum momento da sua formação? É porque esse modo de ensinar faz parte da nossa história como aprendizes.
Paulo Freire, um dos grandes pensadores da educação brasileira, disse em sua obra, Pedagogia da Autonomia, que “ensinar não é transmitir conhecimento mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
A ideia do conhecimento como algo vivo, mutável e passível de ser construído a partir de processos coletivos nos faz imaginar como encaixar uma prática mais alinhada às trocas entre professores e alunos, mesmo em ambientes que normalmente funcionam a partir de modelos mais tradicionais.
Em uma sociedade cada vez mais ligada à troca de informações e à interação, como construir um modelo de ensino que abrace a capacidade dos discentes e docentes de traçar correlações entre suas rotinas, experiências, conhecimentos e o conteúdo que precisa ser trabalhado em determinadas formações?
Podemos dizer que, para abarcar essa dimensão interacional da educação, é preciso estabelecer diálogos, e é sobre isso que falaremos neste post. Quer conhecer um pouco sobre a educação dialógica? Então continue essa leitura!
O que é educação dialógica?
Segundo Paulo Freire podemos entender a educação dialógica como um encontro de sujeitos, em que se busca o conhecimento. Para ele, a capacidade de estabelecer diálogos na educação é o que pode elevar o processo educacional a uma esfera libertadora para os sujeitos que dela fazem parte.
Sendo assim, todos nós, homens e mulheres, somos, para Freire, sujeitos do conhecimento, o que não necessariamente tem a ver com uma relação entre aprendiz e aprendizado, mas com as redes que se formam entre as pessoas e o conhecimento. Dessa forma nos tornamos coparticipantes no processo de conhecer algo, utilizando a comunicação como base, por meio de sistemas linguísticos.
O conhecimento é o objeto que media a relação entre as pessoas, e é impossível não ser impactado pelas transformações promovidas por essa rede formada entre sujeitos e objeto. E, para isso, o diálogo é essencial! O saber é comunicativo e, por isso, permite a criação de relações, por isso essa forma de ensinar foi nomeada educação dialógica.
Mas o que é contrário à educação dialógica? Para Freire, a educação tradicional é considerada educação bancária, ou seja, um modelo de transmissão e reprodução de conhecimento.
Isso faz com que as perspectivas apresentadas aos alunos fiquem descontextualizadas, e muito afastadas do mundo como eles conhecem. Na educação bancária, o professor atua como protagonista da aprendizagem, com um papel central como provedor do conhecimento. Aos alunos cabe apenas a recepção do conteúdo e sua posterior repetição.
Mas como aprender a aplicar e relacionar o saber quando ele é tão desconectado da vida, do dia a dia do aprendiz? Para propor um novo modo de conexão entre objetos de estudo e estudantes, vamos conhecer mais sobre a educação dialógica?
Quais as suas características?
A educação dialógica foi abordada, além de Paulo Freire, por Lev Vygotsky, Jerome Bruner, Gordon Wells, Jurgen Habermas. Entre seus princípios estão:
- O diálogo igualitário, que ocorre quando o argumento se sobressai em relação a quem o profere. Para que haja diálogo é preciso que os sujeitos se encontrem em situação de igualdade, para que nenhuma hierarquia se sobreponha ao desejo e à necessidade de promover diálogos;
- A inteligência cultural, que diz respeito à capacidade, de todos os seres humanos, de agir e refletir diante a saberes de variadas origens, seja ele cunhado nos ambientes de ensino ou no dia a dia.
- A transformação, que coloca a educação como promotora das mudanças dos sujeitos, não o educador. É ela que vai ser objeto da interação entre as pessoas;
- Com a criação de sentido, o processo de aprendizagem precisa estar diretamente conectado com a vida, as expectativas, e os usos que serão feitos pelos sujeitos envolvidos.
- A Solidariedade é que garante que o espírito comunitário será parte do processo educativo que, por ser relacional, é construído a partir do empenho e das relações estabelecidas intra e extra instituição de ensino.
- Em sua dimensão instrumental a educação dialógica permite que os sujeitos envolvidos possam operacionalizar conceitos para se integrarem à sociedade.
- Na igualdade de diferenças, ninguém precisa ser igual, pois as dessemelhanças enriquecem o processo de aprendizado. Mas, para isso, é preciso garantir que todos estejam munidos das ferramentas necessárias, que promovam equidade.
Como desenvolvê-la?
Promover a aprendizagem dialógica propõe que as escolas substituam o modelo bancário e tradicional para buscar metodologias mais conectadas a um novo modelo, mais participativo e ligado à interação.
Ao compreender a realidade como uma construção social, própria dos seres humanos, é preciso valorizar os sujeitos que estão envolvidos nessa relação. Os alunos precisam ter seu potencial de aprendizado coletivo estimulado, seja no ambiente escolar ou não.
Para estabelecer o ensino de base dialógica é preciso conhecer seus estudantes, para que todos consigam alcançar o melhor nível de aprendizagem que conseguirem. Por isso, é preciso que haja um currículo construído levando em consideração as características dos discentes e a sociedade em que estão inseridos.
Como um dos atores no processo de ensino, cabe aos educadores evitar quaisquer metodologias que possam gerar prejuízo ao aprendizado de todos os grupos de estudantes envolvidos. Um exemplo disso é a cobrança de conhecimentos anteriores, que podem não estar acessíveis a todos eles.
As instituições de educação superior (IES) podem oferecer boa estrutura para que esses educadores possam estimular a conexão do saber acadêmico à comunidade, à família, e todos os vínculos possíveis entre sociedade e conhecimento. É preciso que a premissa de uma interação dialógica chegue, ainda, às esferas administrativas das instituições de educação superior.
A capacidade de participar ativamente do processo educativo e de sentir que sua vivência se encaixa na realidade de sua IES faz com que os alunos desenvolvam comportamentos melhores, com uma melhor auto imagem e maior capacidade de atuar em sua comunidade.
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Qual é a relação entre a educação dialógica e as metodologias ativas?
Compreendendo que os métodos ativos, ou metodologias ativas, são uma possibilidade de repensar os modos tradicionais de ensino a partir da promoção da autonomia dos estudantes, independente do campo de atuação, é possível imaginar se elas são semelhantes à educação dialógica.
Quando falamos da educação dialógica, pensamos em interação e, naturalmente, em comunicação. E isso as metodologias ativas têm de sobra! Elas também consistem em uma oposição a um modelo expositivo de ensino e consideram os alunos como agentes ativos de seu próprio processo de aprendizado.
Promover o acesso mais rápido à informação e motivar os estudantes a manterem um bom nível de participação, com o estímulo à curiosidade, participação em projetos e desenvolvimento pessoal e técnico, é um dos objetivos das metodologias ativas.
Dessa forma, podemos considerar que as metodologias ativas são uma ótima aplicação prática de uma educação ancorada nos princípios da autonomia, diálogo e igualdade.
É interessante lembrar que as metodologias ativas estão, por muitas vezes, ligadas ao uso de tecnologias digitais. Isso faz com que os autores que utilizaram a educação dialógica em suas pesquisas fiquem mais limitados, por não terem esses meios à disposição na época de suas investigações.
De qualquer forma, se falamos sobre a retirada de um papel de protagonista dos docentes, o estabelecimento da sala de aula como um espaço de troca e uma educação contextualizada à rotina, com certeza estamos falando de um modelo educacional ligado à importância do diálogo.
Nesse sentido, a educação dialógica é uma linha teórica que pode, e deve, embasar as metodologias ativas, que não podem funcionar sem uma sólida base de diálogo e capacidade de estabelecer interação entre os envolvidos no processo de aprendizagem.
Ambos são de extrema importância para que o ambiente de ensino se torne, cada vez mais, um espaço de diversidade, que promova as boas relações entre toda a comunidade acadêmica e que supra as necessidades de seus discentes.
Educação dialógica na Educação a Distância (EaD)?
E se estamos falando de uma perspectiva que contempla o diálogo, é possível replicar isso em um sistema de ensino a distância? Muitas pessoas têm a ideia de que a EaD não consegue, necessariamente, ser um local de busca por interação, mas por um conhecimento específico, segmentado e especializado.
Obviamente, a valorização do ensino técnico é parte dos objetivos ao buscar uma formação em uma instituição de educação superior. Mas não precisa se pautar apenas nisso! O uso de práticas dialógicas pode ser incorporado em várias etapas do processo de formação.
A educação bancária no ensino superior a distância se dá de forma similar no modelo presencial. Nesse caso, o que muda é o meio em que a transmissão unilateral do conhecimento se dá.
No ensino a distância é comum que uma educação não pautada pelo diálogo seja aplicada por meio de unidades de curso, fitas de vídeo, televisão e rádio, e até mesmo por tutoria pelo telefone, videoconferência, e-mail, entre outros.
A história da educação a distância dá pistas sobre isso, quando em sua primeira geração, ainda no estudo por correspondência, o conhecimento era selecionado e despachado pelos correios, de forma que o estudante não era considerado na formulação desse material, pois não havia possibilidade de estabelecer uma conversa anterior.
Ainda voltada para os meios impressos, a segunda geração poderia ter dado largos passos com o uso das TICs, mas ainda estava muito ligada a uma formação de massa. Na terceira geração, apesar da possibilidade do uso de conferências em computadores, os métodos de educação bancária para a transmissão de conhecimento continuaram sendo utilizados.
Apesar de uma formação mais individual, a EaD pode ser utilizada em um processo de promoção de conexões, assim como podemos perceber em várias redes sociais. A educação libertadora, que Paulo Freire propõe, é construída na apropriação que fazemos dos meios e métodos que estão disponíveis.
Estimule seu corpo docente a conhecer os discentes que farão parte de suas salas de aula. Isso é absolutamente necessário dentro de uma perspectiva dialógica. É preciso que o tempo e as atividades para conhecer os discentes façam parte do tempo dedicado ao ensino.
Promova, ainda, a interação entre alunos e professores e entre os próprios estudantes, por meio de eventos digitais e momentos de troca, para que o sentimento de participação desigual no ambiente de ensino possa ser superado.
Faça uso de metodologias ativas, como a prática de resolução de problemas ou desenvolvimento de projetos. Os alunos podem ter vidas muito distintas e experiências interessantes para trocar, que podem ser operacionalizadas para construir um saber comum, além de promover empatia e compreensão sobre o universo alheio. Autonomia para aprender não significa isolamento.
Independente do meio, a educação dialógica é uma postura a ser assumida. Não promover ou reforçar a instrumentalização, em uma sociedade que demanda por métodos prontos e cada vez mais rápidos, é um movimento ativo de pensar uma evolução no campo da educação em nossas IES.
Nenhuma tecnologia, por si só, é capaz de anular ou promover uma educação cada vez mais voltada ao diálogo. Pensar os projetos pedagógicos das instituições de ensino é, também, considerar as mediações promovidas pela educação presencial ou a distância.
Independente do lugar escolhido como sala de aula, ou da metodologia utilizada, a educação dialógica é uma oportunidade de observar e ouvir as necessidades e experiências de seus alunos. Para te auxiliar a se abrir para promover uma educação pautada no diálogo em sua instituição, conheça nosso guia sobre metodologias ativas!