O modelo tradicional de ensino, totalmente presencial e com o professor no centro do processo, já faliu há muito tempo. Com o perdão pela expressão, é “chover no molhado” afirmar que precisamos de novas metodologias, que deem protagonismo, motivação e significado ao aluno. O que antes tinha cheiro de novidade agora é redundante, ainda que precisemos caminhar por uma longa estrada para alcançar a maturidade de metodologias ativas, gamificação, inteligência artificial, entre outras ferramentas da caixa da pedagogia contemporânea.
É o caso do ensino híbrido (ou blended Learning), que tem seu ponto de partida ainda nos anos 2000. O termo foi usado pela primeira vez em um documento do Idea Data Center (IDC), trazendo a sugestão de que a solução combinada de ensino presencial e ensino a distância seria mais efetiva. Naquela época o híbrido era pura e simplesmente a conexão da sala de aula ao vivo com o online, utilizando ferramentas digitais pelo computador. Com a expansão da internet, as melhorias de infraestrutura tecnológica e o surgimento de plataformas de Learning Management Systems (LMS) o futuro se tornou presente. Recentemente, o que vemos é uma maior complexidade, com novos traços, possibilidades e intervenções pedagógicas diversas.
Mais do que uma simples combinação de modelos, o ensino híbrido hoje é “um conceito de educação caracterizado pelo uso de soluções combinadas ou mistas, envolvendo a interação entre as modalidades presencial e à distância, a interação entre abordagens pedagógicas e a interação entre recursos tecnológicos” (MOREIRA; MONTEIRO. In MILL, 2008, p.86). Ou seja, muitas teorias educacionais podem ser combinadas de forma a propiciar uma interação efetiva, mediada por tecnologia. Esta última, vale lembrar, também sofreu avanços importantes que impactaram nos canais e aplicações na educação. Atualmente, os smartphones e tablets se configuram como dispositivos relevantes no contexto da aprendizagem.
Onde o ensino híbrido está?
Desde então, o campo de estudos do blended learning só cresceu, com inúmeros artigos científicos, debates e convenções dedicadas somente a esse assunto. Em alguns países a teoria já é prática, e pode ser observada tanto na educação básica, nos anos escolares, quanto nas universidades. No Brasil, 66% dos artigos sobre as experiências de blended estão focadas unicamente no desenho didático de ensino superior: “quase 20% estão focadas em todas as configurações, 12.5% focadas em empresas (formação organizacional) e menos de 2% focadas no ensino secundário” (MOREIRA; MONTEIRO. In MILL, 2008, p.86).
Do ponto de vista social, o ensino híbrido vem atendendo demandas particulares em nossas comunidades. O aprendizado sempre foi construído a partir de combinações: de experiências, sentimentos, conhecimentos já adquiridos, desafios socioeconômicos e regionais, acesso aos recursos tecnológicos, entre outros elementos. Organizar esse tipo de ensino em um conjunto de metodologias aplicáveis aos diversos meios de interação era óbvio. Agora, o professor tem à disposição novos artifícios, como projetos, jogos, atividades colaborativas e personalizadas. Enquanto o aluno abraça essas possibilidades como uma forma de conectar os saberes ao que realmente têm importância na sua vida acadêmica e profissional. A mistura vai além da sala e do online: “o híbrido também pode ser um currículo mais flexível, que planeje o que é básico e fundamental para todos e que permita, ao mesmo tempo, caminhos personalizados para atender às necessidades de cada aluno” (MORAN, 2015, p.28).
Nos últimos anos o movimento híbrido já estava em aceleração, mas a pandemia de covid-19, instaurada em 2020, demonstrou como fatores externos podem impulsionar o modelo ainda mais. Com exceção da educação infantil, que é mais hermética, o blended se mostrou uma alternativa viável e segura. Protocolos sanitários e isolamento coordenado se combinam à prática, e possibilitam um retorno gradual ao presencial, com suporte no online. Em muitas instituições, parte dos cursos ministrados já acontece parte em sala de aula, parte em casa, por mediação tecnológica. A interação entre os estudantes e professores acontece de forma síncrona (ao vivo) ou assíncrona (por meio de fóruns de discussão, ferramentas de chat e LMS).
Aulas práticas obrigatórias para algumas carreiras, como as ciências médicas, já se estruturam para ministrar os conteúdos teóricos nos meios virtuais, e incluírem as atividades em laboratório no presencial, de forma controlada. Outros modelos que incluem dias específicos para instrução on-line e outros para tarefas presenciais também se consolidam em universidades pelo mundo. Assim, muitas delas conseguem evitar a interrupções causadas por lockdown ou proibições parciais de circulação, garantindo que não haja prejuízos na formação.
Ensino remoto vs ensino híbrido
Vale ressaltar que o ensino híbrido se diferencia do ensino remoto, onde 100% da instrução dos alunos ocorre, na maioria dos casos, por meio virtual de forma síncrona, simulando o modelo de aula expositiva tradicional, pelo canal on-line. Já o ensino semipresencial prevê atividades acadêmicas a distância e outras presenciais, não necessariamente intermediadas por teorias pedagógicas. Ambas são classificações que estão abarcadas no campo da educação a distância, mas possuem intencionalidades e modus operandi diferentes.
O mais importante é identificar as prioridades da aprendizagem e, assim, entender qual modelo funciona melhor para cada contexto. O ensino híbrido pode ser vantajoso para aquelas instituições que querem fazer uma migração gradual para o modelo 100% a distância. Ou, se aposta for em uma proposta pedagógica mais inovadora, com metodologias ativas, deve conseguir abarcar todos os anseios com o blended. A organização curricular tende a ser o próximo passo mais adequado, de forma que abarque soluções para essas necessidades. O currículo não só direciona quais conteúdos devem ser ensinados, mas também em que ordem eles devem ser aprendidos, como eles se relacionam e de que forma essas relações acontecem no tempo e no espaço (FILATRO, 2018). É por isso que se for começar de algum lugar, o projeto pedagógico é o seu ponto de partida. Investir tempo nele garante que se avancem casas neste tabuleiro do jeito certo e com mais agilidade.
REFERÊNCIAS
BACICH, Lilian; TANZI NETO, Adolfo; TREVISANI, Fernando de Mello (orgs). Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2016.
FILATRO, Andrea. Como preparar conteúdos para EAD. 1 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MILL, Daniel (org). Dicionário Crítico de educação e tecnologias e de educação a distância. Campinas: Papirus, 2018.
Sobre este artigo
Para quem chega por aqui agora, aproveito a oportunidade para me apresentar: sou especialista em Educação e Tecnologia aplicada à Educação pela Ufscar, com ênfase em Gestão da Educação a Distância e Produção e Uso de Tecnologia na Educação. Também sou formada em Letras pela USP e Comunicação Social (Jornalismo) pela Faculdade Cásper Líbero.
Atualmente gerencio os times de conteúdo das soluções digitais da Saraiva Educação e dos conteúdos de doutrina do selo editorial Saraiva Jur. Produzimos materiais pedagógicos para instituições de ensino superior e livros de Direito para estudantes, professores e profissionais jurídicos. Saiba mais aqui!
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