Quando se fala em Ensino, em Aprendizagem e em Avaliação da Aprendizagem, fala-se também em “processo” ou “processos”. Por processo entende-se algo que ocorre no tempo (normalmente de modo evolutivo), em etapas sequenciais, num desencadeamento de fases com desenvolvimento progressivo, gradual e, muitas vezes, lento.
A natural morosidade dos processos educacionais nos dias de hoje tem sido questionada. Convivemos com infinitas informações que podemos alcançar com alguns cliques e isso empodera os aprendizes, muito mais focados no agir mais do que no contemplar. Nesse cenário o pragmatismo prepondera e o alcance dos efeitos passa a ser mais importante que a busca das causas.
As revoluções sociais trazidas pela indústria, primeiramente com o uso das máquinas, a seguir com as “linhas de produção” e, posteriormente, com os computadores e com a internet fizeram com que os olhares da sociedade também se voltassem para a Educação exigindo-lhe, cada vez mais, uma performance industrial.
A recorrente analogia com o setor industrial faz com que os processos do setor educacional sejam questionados. As teorias e o aprofundamento dos estudos perdem espaço para as práticas, a cultura do fazer exige agilidade ainda que pule etapas. Para atender essa demanda social, educadores e gestores universitários direcionam suas atenções para a velocidade dos processos educacionais sem poder descuidar dos resultados da aprendizagem.
Isso exige do setor educacional uma significativa “disrupção” com o que vinha ocorrendo até aqui, para revisar e alterar os procedimentos até então seguidos. Contudo, mais que uma mera mudança de rota, espera-se grande inovação. Uma nova Educação com performance industrial, isto é, com rapidez, versatilidade e eficiência similares.
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Isso é possível? Em caso positivo, quais os caminhos e estratégias a seguir?
Nesse caminho da Educação comparada à indústria, o primeiro passo é entender que a denominada “Industria 4.0” é, em linhas muito gerais, a indústria tecnológica e mais independente da atividade humana para transformação da matéria-prima, com grande redução nos custos de produção e no preço de seu produto final.
Quando se pensa em um modelo análogo na Educação, é certo que as tecnologias educacionais passam a ser essenciais. Mas como seria uma “Educação 4.0” mais tecnológica e, ao mesmo tempo, com custos reduzidos e maior automatização de seus processos?
Inovação nos cursos de graduação em Direito: o momento da “disrupção”
No Brasil a Educação é um direito social e um dever do Estado. Nesse sentido, a participação da iniciativa privada é condicionada, nos termos do Art. 209 da Constituição da República, ao cumprimento das normas educacionais, além da autorização de funcionamento e da avaliação de qualidade pelo Poder Público. Dentro desse cenário de regulação e fiscalização do setor, resta aos gestores educacionais superar o dilema do equilíbrio entre as exigências de inovação e as obrigações normativas.
Apesar de tudo, a situação não é tão paradoxal quanto possa aparentar. Ao menos nos cursos de Direito podemos considerar que tanto os Instrumentos de Avaliação dos Cursos de Graduação vigentes, quanto duas normas recentemente publicadas (Resoluções CNE/CES nº 5/2018 e nº 7/2018) vieram no sentido não apenas de permitir, mas de exigir inovações.
Justamente o tradicional curso de Direito – considerado como um dos cursos em que os docentes seriam mais resistentes às inovações e ao uso da tecnologia – foi um dos que conseguiu superar com maior facilidade o momento de aulas remotas durante a pandemia mundial da COVID-19. Por todas essas questões, portanto, esse é um momento propício para a disrupção e a inovação nos processos pedagógicos anteriores, senão vejamos:
- A Resolução CNE/CES nº 5/2018 atualizou as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de graduação em Direito e, se não trouxe muitas novidades em termos de conteúdos curriculares, passou a exigir dentre os elementos estruturais do Projeto Pedagógico do Curso (PPC) o detalhamento das “formas de realização de interdisciplinaridade” e a “integração entre teoria e prática, especificando as metodologias ativas utilizadas”. Além disso, obrigará que atividades de ensino de Direito estejam “articuladas às atividades de extensão e de iniciação à pesquisa”;
- Já a Resolução CNE/CES nº 7/2018, estabeleceu a denominada curricularização da extensão em todos os cursos de Graduação. Ou seja, determinou que “atividades de extensão devem compor, no mínimo, 10% (dez por cento) do total da carga horária curricular estudantil dos cursos de graduação, as quais deverão fazer parte da matriz curricular dos cursos”.
No caso dos cursos de Direito, as duas resoluções vieram a reforçar a necessidade de estimular a realização de atividades curriculares de extensão em ao menos 370h do curso (considerando a carga horária referencial de 3.700h). Ou seja, 10% da carga horária precisa estar destinada ao aprimoramento e à inovação de vivências práticas na comunidade ou de caráter social, nos termos das referidas resoluções.
As novas normas favorecem uma formação menos “conteudística” e mais voltada para as competências cognitivas, instrumentais e interpessoais. Assim, a articulação entre as áreas precisa ser constante, sempre voltada aos “problemas emergentes e transdisciplinares” e aos “novos desafios de ensino e pesquisa” que surjam para a formação pretendida.
Como tudo isso seria possível sem o uso da tecnologia? A situação de pandemia mundial exigiu adaptações no modelo educacional e mostrou a todos (docentes e discentes) que uma plataforma virtual com objetos de aprendizagem permite maior interação entre os professores e os estudantes de determinada turma.
Somente o acesso simultâneo e participativo aos mesmos conteúdos e atividades de aprendizagem permitem o uso de metodologias de aprendizagem ativa, conforme determinam as DCN, que fomentem “a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica” e garantam a formação do perfil do graduado.
A aprendizagem baseada em problemas (problem based learning) e a execução de projetos transdisciplinares (ou integradores) são possibilidades para uma inovação educacional consistente e adequada aos novos tempos e às novas normas.
As IES precisam reconstruir o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Direito com base nas novas normas e nas atuais demandas. Mesmo nos cursos 100% presenciais, as Tecnologias de Informação e Comunicação(TIC’s), que ampliam a interatividade entre docentes e discentes, precisam ser adotadas. O acesso aos recursos didáticos a qualquer hora e lugar possibilita experiências diferenciadas de aprendizagem e faz com que os cursos estejam adequados ao mundo atual.
Se a Indústria 4.0 é ou não o melhor modelo para a inovação na Educação ainda não há resposta. Mas o atual momento é de remodelagem no setor educacional e tudo começa com a reconstrução dos PPC’s, conforme o que determinam as normas educacionais vigentes.
Referências
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