É por meio da educação que a sociedade ganha novas ideias, supera dificuldades e permite que cada vez mais pessoas participem do diálogo e da construção de um espaço mais justo e consciente. E as professoras, na História e no mundo contemporâneo, têm um papel fundamental nesse processo.
De Nisia Floresta, que lutou pela inclusão das mulheres nas escolas brasileiras, a Dorina Nowell, primeira aluna cega a se formar e dedicar a vida a promover acessibilidade no ensino, as professoras sempre lutaram por um sistema de ensino mais justo, científico e igualitário.
Por isso, no Dia Internacional da Luta pelos Direitos das Mulheres, é importante refletir sobre o papel que essas profissionais desempenharam e as dificuldades que ainda enfrentam em todos os segmentos da educação. Confira hoje o nosso artigo e lute como uma professora!
Lute como uma professora: as docentes no Brasil
Hoje, cerca de 2,2 milhões de pessoas exercem a profissão de professores da educação básica no Brasil, enquanto quase 400 mil dão aulas na graduação, de acordo com o MEC.
A mesma pesquisa aponta que 37,5% dos docentes no Ensino Superior é mestre, enquanto 45,5% têm doutorado. Essa métrica está relacionada à meta 13 da PNE, de ampliar a qualificação dos docentes no segmento.
Mas a proporção de mulheres no ensino diminui conforme os anos de estudo: enquanto 96% do corpo docente do Ensino Infantil é feminino, a presença cai para 57% no Ensino Médio. E no Ensino Superior, a estatística muda.
A presença das mulheres no Ensino Superior
De acordo com o Censo da Educação Superior 2020, o perfil do docente vinculado às IES segue um padrão. Tanto nas instituições públicas quanto privadas, os homens ocupam mais espaço. Em contrapartida, o perfil dos estudantes ainda destaca as mulheres: 57% das matrículas são femininas nos cursos de graduação.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo IBGE, também traz conclusões interessantes sobre a população brasileira: enquanto mais de 16% das mulheres acima de 14 anos declara ter ensino superior completo, a taxa entre os homens é de 12,3%.
Mulheres, gestão e liderança
Ainda assim, o espaço acadêmico coexiste com as dinâmicas de desigualdade de gênero da sociedade. Os homens, em média, chegam a ganhar 30% a mais que as mulheres. Elas também ocupam menos cargos de liderança, com cerca de 37%.
Reflexos da desigualdade no espaço acadêmico
A presença reduzida de mulheres em cargos docentes nas IES também se desdobra em menos mulheres em cargos de gestão, menos mulheres fazendo pesquisa, menos mulheres tendo espaço para a inovação científica.
Isso significa um quadro negativo para a comunidade acadêmica, que perde a oportunidade de encontrar novas professoras e ideias para a educação brasileira.
As dificuldades de exercer a educação
Os problemas que as professoras enfrentam em sua atuação profissional estão ligados às questões de recursos. Assim como em outras áreas, o burnout tem causado grande impacto entre as acadêmicas, com a alta demanda e carga horária.
A síndrome de burnout, que se tornou parte do CID em 2022, é caracterizada pelo alto nível de estresse relacionado à ocupação. A autocobrança e a pressão são causadas pelo ambiente de trabalho e levam a sintomas como irritabilidade, desmotivação, negatividade e distanciamento das atividades. Além disso, agravam quadros físicos como cansaço, dores e queda de imunidade.
O esgotamento profissional pode também levar a quadros de tristeza, isolamento e depressão, além de insegurança e ansiedade quanto à performance profissional. Os professores estão entre os profissionais que mais sofrem de burnout, junto a médicos, enfermeiros, bombeiros e jornalistas.
As mulheres também tendem a sofrer mais de burnout, indica o Datafolha. Nesse sentido, a insegurança profissional, somada ao estresse e a menores salários e reconhecimento, explica porque a situação das professoras está fragilizada.
Outro ponto importante é a falta de recursos para o desenvolvimento científico feito pelas mulheres nas instituições de ensino, o que afasta potenciais pesquisadoras e professoras desse espaço.
Entre as 184.728 bolsas de pesquisa cedidas pela CNPq entre 2010 e 2021, apenas 35% foram destinadas a mulheres. E quanto maior o nível de prestígio, menos expressividade elas têm na distribuição: nas bolsas sênior, concedidas a cientistas líderes em suas áreas, apenas 11% são mulheres.
Como a educação continuada e a qualificação acadêmica são importantes para a bagagem cultural de professoras, essa desigualdade durante o percurso faz com que muitas delas desistam da área. A manutenção das mulheres nos estudos de pós-graduação é um dos caminhos para a maior presença de mulheres do outro lado da vida acadêmica.
Historicamente, a inserção de mulheres no mercado de trabalho vem acompanhada de barreiras. O mesmo fenômeno impacta a educação: se menos mulheres estão presentes nos espaços, menos elas se sentem pertencentes a ele. Como consequência, elas participam de menos oportunidades, recebem maior pressão e sofrem de esgotamento profissional. Com menos chances de atingir cargos de liderança e salários mais baixos, as professoras ainda precisam lutar por seu espaço na educação.
Como incentivar as professoras nas IES
Para os gestores da IES que visam ampliar a atuação e a contratação de professoras em sua comunidade acadêmica, existem algumas melhorias que podem ser feitas para tornar o ambiente mais igualitário – e abrir espaço para educadoras e suas ideias.
1. Diversificar o corpo discente
O primeiro passo é contratar mais mulheres na IES. Isso vale para cargos de professoras, mas também de liderança. É importante levar em consideração quais setores ainda contam com uma minoria expressiva de mulheres e trabalhar com planos de inclusão.
2. Trazer debates de gênero
As mulheres que estão presentes na IES têm uma diversidade de vivências. São elas que podem apontar os casos de desigualdade, de barreiras profissionais de gênero, de falta de recursos e outros problemas enfrentados.
Por isso, vale abrir o diálogo com elas: crie espaço para que elas se sintam seguras, fortaleça organizações femininas dentro da IES e garanta que elas sejam ouvidas em debates e negociações com a administração e os líderes.
Essas discussões podem tomar diferentes formas, desde avaliações críticas que as professoras podem submeter de acordo com sua experiência até eventos e workshops que contextualizem a desigualdade de gênero.
3. Incluir mulheres nos estudos
No ambiente das IES, a comunidade se engaja pelo conhecimento. É a escolha por matrizes curriculares que forma o perfil da instituição e dos estudos que os alunos terão ao longo de seu curso de graduação.
Por isso, é importante levar em consideração se e o quanto as mulheres estão envolvidas nesse poder de decisão. Iniciativas como grupos de estudos feministas, autoras de diferentes vivências sendo inseridas na biblioteca e nas bibliografias, disciplinas voltadas às questões sociais, etc.
4. Considerar a interseccionalidade
Outro ponto importante é a interseccionalidade das questões sociais. Ou seja, a desigualdade de gênero deve ser trabalhada juntamente com a desigualdade racial e social que impacta a formação e a atuação das brasileiras.
Hoje, o acesso ao Ensino Superior ainda é marcado pelas disparidades: a maioria dos alunos é branca, de grandes centros urbanos e de classes sociais altas. Esse cenário tem sofrido mudanças lentas com políticas afirmativas e metodologias de ensino mais conscientes da acessibilidade, mas ainda há muito a ser percorrido.
Por isso, ao considerar a luta das professoras pela educação brasileira, é importante considerar também as barreiras extra que as professoras negras, indígenas, rurais e de baixa renda precisam quebrar em sua atuação.
9 professoras que lutaram pela educação brasileira
Mesmo frente a todas as dificuldades impostas pela área de atuação e os papéis de gênero, as professoras brasileiras já transformaram o cenário social. Com a luta pela educação inclusiva, elas foram e são agentes essenciais na construção de uma sociedade mais igualitária.
Que tal conhecer algumas das professoras que fizeram história?
Nísia Floresta (1810 – 1885)
Nascida no RN, a educadora e escritora é considerada a primeira feminista do Brasil. Escreveu 15 obras sobre a desigualdade social e em defesa dos direitos das mulheres, dos povos indígenas e escravizados. Foi participante do Movimento Abolicionista.
Em 1838, funda no RJ o Colégio Augusto, com ideais pedagógicos à frente de sua época. Quando as meninas só recebiam educação sobre casamento e maternidade, Nísia inseriu ensino de ciências, artes, línguas e literatura. Sua visão era a de que as meninas só teriam consciência de sua posição social com uma educação de qualidade.
Maria Firmina dos Reis (1822 – 1917)
A escritora maranhense é considerada a primeira romancista do Brasil. Além de publicar livros e artigos, era abolicionista e ativista pela educação. Filha de uma ex-escravizada, Maria Firmina foi a primeira mulher aprovada em um concurso público no Maranhão.
Com isso, exerceu a profissão de professora primária entre 1847 e 1881. Aos 54 anos de idade, fundou uma escola mista e gratuita para alunos sem condições financeiras. Dava aulas na propriedade de um senhor de engenho da região, juntando alunos e alunas que encontrava.
Anália Franco (1853 – 1919)
Anália Franco foi uma professora, jornalista, poeta, ativista e filantropa no século XIX. Sua primeira atuação marcante na educação brasileira foi a criação da Casa Maternal, instituição no interior de SP que amparava crianças desamparadas com a Lei do Ventre Livre.
Também fundou a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, que apoiava mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade. A instituição foi responsável pela fundação de escolas maternais e primárias, além de creches, bibliotecas, escolas profissionalizantes, asilos e liceus.
Criou também, em 1902, o Liceu Feminino, que preparava educadoras para atuar em suas escolas, aproximando-as de metodologias pedagógicas à frente de sua época.
Armanda Álvaro Alberto (1892 – 1974)
A educadora e militante fluminense foi a fundadora da Escola Proletária de Meriti, em Duque de Caxias. A escola foi uma das primeiras da América Latina a oferecer merenda escolar, priorizando o bem-estar das crianças. Além disso, foi pioneira na inclusão da teoria da Escola Nova no Brasil: com horário integral, os alunos se envolviam em atividades como horta e criação de animais.
Armanda também foi a fundadora da primeira biblioteca de Duque de Caxias. Em 1935, co-fundou a União Feminina do Brasil, entidade feminista que visava unir as mulheres trabalhadoras.
Bertha Lutz (1894 – 1976)
Bertha era cientista, especializada em Biologia, e ativista pelos direitos das mulheres. Foi chefe do departamento de Botânica do Museu Nacional do Rio de Janeiro e deputada, além de integrar a comissão brasileira na Conferência das Nações Unidas, em 1945, quando buscou inserir os direitos das mulheres na Carta da ONU.
No campo da educação, Bertha também teve destaque por conseguir o ingresso das meninas no tradicional Colégio Pedro II e pela realização de uma pesquisa sobre conhecimentos domésticos agrícolas, com objetivo de educar e fortalecer as cooperativas femininas regionais.
Antonieta de Barros (1901 – 1952)
Além de professora, Antonieta foi ativista e lutou pela emancipação feminina e pelo reconhecimento da cultura negra no Sul do Brasil. Considerada uma das primeiras mulheres eleitas no Brasil, foi a primeira mulher negra a servir um mandato popular.
Na educação, foi fundadora do Curso Particular Antonieta de Barros, em sua própria casa, voltado para a alfabetização da população carente. Depois de concluir o magistério, pretendia ingressar no curso de Direito, mas, à época, a formação acadêmica era proibida para as mulheres.
Dorina Nowill (1919 – 2010)
Educadora e filantropa brasileira, Dorina Nowill foi fundadora da primeira grande imprensa Braille do Brasil. Depois de perder a visão aos 17 anos, resolveu seguir o sonho de ser educadora e lutar pela inclusão de alunos cegos.
Criou o Departamento de Educação Especial para Cegos, tendo papel fundamental no direito à educação desses alunos, que virou lei em 1961. Dirigiu a Campanha Nacional de Educação dos Cegos e foi presidente do Conselho Mundial dos Cegos.
A fundação que leva seu nome continua lutando pelos direitos socioeducacionais das pessoas com deficiência visual e o reconhecimento das barreiras que elas enfrentam.
Êda Luiz
A educadora responsável pelo projeto educacional do CIEJA Campo Limpo, referência internacional em educação inclusiva, teve papel fundamental na inserção de alunos de diferentes vivências no ambiente escolar.
Fundado em 1998, o Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) Campo Limpo tem como papel transformar a vida de jovens e adultos desprovidos do acesso à educação formal. Nesse contexto, a escola é aberta, promove debates e visa incluir os alunos na sua formação cidadã, considerando o papel social da educação. Por sua atuação inovadora e consciente, é considerada uma das Escolas Transformadoras pela UNESCO.
Célia Xakriabá
Nascida em MG, Célia é professora ativista indígena do povo Xakriabá. Se formou na primeira turma do curso de Educação Indígena na UFMG, realizou um mestrado em Desenvolvimento Sustentável, com foco em Sustentabilidade Junto a Povos Tradicionais na UnB e cursa doutorado em Antropologia. Contribuiu para a Secretaria da Educação de MG e para a Superintendência de Modalidades e Temáticas Especiais do Ensino.
Defende a educação indígena baseada nos conhecimentos e processos pedagógicos de cada povo, além de lutar pelo reconhecimento das línguas indígenas ameaçadas, pelo acesso de jovens indígenas ao Ensino Médio e pelo protagonismo da mulher indígena.
A educação inclusiva e justa deve incluir mais vozes em sua criação. É com a pluralidade de experiências que as IESs podem construir uma identidade mais sólida e receptiva para a sociedade. Além de reconhecer o papel das mulheres, é importante quebrar as barreiras raciais no ensino. Leia mais sobre o papel da IES na educação antirracista e lute como uma professora!