Nos últimos meses muito tem se falado sobre o metaverso, um espaço que une a realidade aumentada aos ambientes virtuais. Frente às inúmeras transformações trazidas por esse novo universo online, é preciso refletir sobre a relação entre o metaverso e o direito.
Os experimentos desenvolvidos dentro da plataforma do metaverso evidenciaram que o seu objetivo é ir muito além do entretenimento. Portanto, a consolidação desse ambiente virtual implicará em diversas modificações na esfera jurídica e também no setor educacional, implementando novos recursos digitais de aprendizagem.
Neste artigo você irá entender um pouco mais sobre a relação entre advocacia e metaverso, quais são os impactos dessa tecnologia na educação e como trabalhar com o metaverso e o direito na sua instituição. Confira!
O que é e como funciona o metaverso?
O conceito de metaverso é usado para designar um mundo virtual imersivo, ininterrupto, online, coletivo, compartilhado e que proporciona interação com o mundo real. O espaço foi criado através da convergência de tecnologias de realidade virtual, realidade aumentada e Internet.
O termo metaverso apareceu pela primeira vez 1992 em “Snow Crash”, um romance de ficção científica escrito pelo norte-americano Neal Stephenson. O livro narra a experiência da humanidade com esse universo digital imersivo que, posteriormente, serviu para inspirar diversas outras obras e, também, novas tecnologias.
Recentemente, o conceito de metaverso voltou a receber notoriedade depois que o Facebook fez a mudança do seu nome corporativo para “Meta”. Além de promover a fusão entre os diferentes aplicativos do grupo, a empresa também anunciou o investimento de 10 bilhões de dólares na criação do seu próprio metaverso.
A proposta é que a interação oferecida pela plataforma vá muito além do que é proporcionado pelos dispositivos digitais de tela plana. No metaverso, todas as experiências serão em 3D, sendo possível integrar elementos virtuais a locais físicos e explorar possibilidades multissensoriais, incluindo o tato.
O metaverso é a nova internet
Para que se compreenda os impactos dessa nova tecnologia nas esferas sociais, é possível traçar um paralelo com as diversas transformações que a internet causou na realidade cultural durante as últimas décadas.
As interações entre os indivíduos foram amplamente modificadas pelas possibilidades ofertadas no ciberespaço, como o compartilhamento de conteúdo em rede e a relação com o outro na ausência do corpo físico.
O surgimento do metaverso marca a ascensão da próxima fase da internet, ou web 3.0. Nesse cenário, já é possível observar diversas mudanças nas relações de trabalho frente às novas demandas profissionais. Um estudo feito pela Universidade de Brasília (UnB) revela que, até 2026, 54% dos empregos formais do Brasil poderão ser substituídos por inteligência artificial.
Quais são os impactos do metaverso no Direito?
O metaverso representa mudanças em diversas profissões. Nas mais tradicionais, como o Direito, a perspectiva é que surjam novos nichos de mercado enquanto outros se tornam obsoletos. Os hábitos de consumo também passarão por profundas transformações, chamando atenção para as discussões acerca do futuro do direito do consumidor no mundo digital.
A pandemia do Covid-19 apresentou-se como fator acelerador desse salto tecnológico, pois o crescimento da demanda por encontros virtuais abre caminho para o metaverso. Em 2020, dezenas de países se adaptaram para a prestação do serviço jurisdicional pelo modo remoto, e as facilidades geradas indicam que o modelo de trabalho será definitivo.
A realidade tecnológica proposta pelo metaverso e o Direito já está posta e será aplicada em futuro muito próximo. Portanto, cabe aos profissionais e estudantes do curso de Direito acompanhar as mudanças e se preparar para atuar dentro dessa nova realidade.
Se o desafio colocado pela internet 2.0 foi a presença das empresas e escritórios de advocacia nas redes sociais, como Instagram, LinkedIn e YouTube, na internet 3.0 o diferencial será conseguir espaço no metaverso.
No entanto, marcar presença no metaverso não deve ser o único horizonte dos profissionais do Direito. Saber aproveitar as oportunidades que esse novo universo atribui ao meio jurídico é uma outra questão que deve estar presente nesse contexto.
Metaverso e o Direito
Muitas discussões jurídicas são fruto das interações dos seres humanos no metaverso com seus avatares. Questões relacionadas com a competência territorial, conflito de normas internacionais, relações trabalhistas e crimes virtuais deverão ser analisadas sob a ótica das transformações causadas pelo metaverso.
As implicações jurídicas do que precisará ser repensado englobam muitas matérias do curso de Direito. A criação desta “realidade paralela” traz consigo alguns questionamentos.
Saiba quais são eles a seguir!
Propriedade Intelectual
O Tribunal Distrital da Virgínia, nos Estados Unidos, considerou que um sistema de Inteligência Artificial (IA) não pode ser registrado como o inventor de uma patente. Mas ao contrário da lei de patentes, a lei de Direitos autorais dos EUA não tem uma exigência clara de autoria humana.
Os tribunais dos Estados Unidos e o Escritório de Direitos Autorais têm operado com base nesse requisito para negar registros de obras não criadas por humanos. Materiais produzidos exclusivamente pela natureza, por plantas ou por animais não estão aptos a patentes.
A criação de produtos dentro da plataforma, como figuras, emblemas e estilo dos avatares, pertencerá a quem? O Metaverso terá criações virtuais de avatares e aspectos de IA acoplados a eles. Se tais criações forem consideradas criações de IA e não criações humanas, podem não ser permitidos certos tipos de proteção de propriedade intelectual.
Direito Autoral
O Metaverso também pode dificultar a identificação de situações de violação de direitos autorais. Isso porque o Direito de usar o conteúdo licenciado no Metaverso também deve ser examinado com cautela, uma vez que muitos contratos de licença podem não ter considerado o uso do conteúdo licenciado em tais plataformas.
Proteção de Dados
O Facebook (Meta), que já coleta um imenso volume de dados dos seus usuários, terá acesso e armazenará uma quantidade infinitamente maior de informações pessoais com a popularização do metaverso. Nesse sentido, é preciso traçar quais serão os limites legais para o uso dessas informações, levando em conta a capacidade que a plataforma terá em coletar registros de linguagem corporal e até mesmo respostas fisiológicas.
Qual será o limite legal que definirá o tratamento e compartilhamento desses dados? Os dados coletados de avatares e suas interações, serão considerados “dados pessoais”?
Direitos da Personalidade
O usuário precisará de um avatar para interagir na plataforma Metaverso. Ou seja, precisará de uma autorrepresentação virtual.
A honra, imagem e privacidade são direitos da personalidade, então como vão ser tratados os casos de interações indesejadas ou não consentidas entre avatares? A intimidade dos usuários, na representação de seu avatar, também é inviolável?
A título de exemplo, vale citar relatos de assédio por parte de usuários do metaverso. Como é o caso da empresária britânica, Nina Jane Patel, que contou ter tido o seu Avatar “tocado e apalpado” sem consentimento, por outros quatro avatares masculinos.
Direito Penal
Ainda sob a perspectiva de crimes cometidos através de uma representação virtual, vamos supor, por exemplo, uma conduta discriminatória contra um avatar que tenha características afrodescendentes. O ocorrido poderia ser configurado como crime de injúria racial ou racismo? Existem também muitos questionamentos a respeito da abordagem jurídica de casos que configurem injúria, calúnia e difamação contra os “avatares”.
Advocacia no metaverso: qual é a relação?
O uso de ferramentas digitais já faz parte da rotina dos profissionais de Direito. O surgimento de softwares jurídicos tem se mostrado capaz de otimizar processos, além de garantir mais segurança e transparência para as decisões.
A presença do mundo jurídico no metaverso já é uma realidade. Existem, inclusive, sedes de escritórios de advocacia dentro da plataforma. Eles utilizam-se da tecnologia de realidade virtual 3D e possibilitam ao cliente uma experiência diferenciada.
A crescente busca por advogados especializados em causas ligadas à propriedade digital de ativos digitais, LGPD na prática, desenvolvimento de marketplaces de NFTs e utilização de bitcoins também evidenciam a centralidade das discussões acerca do futuro do profissional do Direito, nesse contexto de virtualização do mundo real.
Outro exemplo de influência da tecnologia no Direito é a Resolução de Disputas Online (ODR, na sigla inglês). Ela permite que a mediação do conflito ocorra por meio de plataformas digitais. Assim, o deslocamento das partes interessadas não é mais necessário.
Quais são as consequências jurídicas do metaverso no Brasil?
O Brasil tem 152 milhões de usuários de internet, de acordo com a Pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil, em 2020. Esse dado evidencia que o número de pessoas que acessam a internet regularmente está crescendo, apesar da desigualdade na inclusão digital.
A perspectiva é que a transição tecnológica para plataformas que combinem animação, realidade aumentada, holografia e interação entre avatares se dê juntamente com o barateamento dos aparelhos de realidade virtual.
Nos últimos anos os avanços tecnológicos estiveram muito presentes na realidade do brasileiro. Muito desse crescimento digital se deu devido às restrições impostas pela pandemia do Covid-19. Atualmente, escritórios e departamentos jurídicos estão cada vez mais habituados com as reuniões e audiências virtuais.
Mas a mudança de paradigma ocorrerá novamente, em um futuro próximo. O conceito de metaverso aumenta ainda mais a velocidade com que as coisas acontecem no mundo virtual, o que pode ser muito desafiador para o Direito.
No Brasil, o metaverso pode gerar uma série de novos impasses jurídicos, principalmente com questões ligadas à privacidade de informações. Isso porque o metaverso altera o tratamento de dados que são coletados através da rede. Os operadores do Direito devem buscar a solução para essas questões através da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A propriedade intelectual também precisará ser repensada com a chegada do metaverso no Brasil. Será que, segundo as leis brasileiras, tudo o que se cria no metaverso é passível de registro? O usuário necessitará saber como se proteger, por isso, é importante que o Direito esteja presente e saiba atuar na proteção da privacidade do usuário.
Nesse sentido, é preciso debater também quais são as garantias do consumidor ao adquirir produtos e serviços no metaverso, chamando atenção para a abrangência do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, o direito do consumidor é um outro tema que necessita da intervenção do direito no mundo digital.
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Metaverso e o futuro da educação
Explorar o potencial do metaverso na educação pode parecer algo distante da realidade de professores e pesquisadores brasileiros. Mas esse é um cenário atual e em expansão, por isso as Instituições de Educação Superior (IES) precisam ficar atentas a essas novas possibilidades.
Assim como aconteceu durante a pandemia, as instituições de ensino deverão se adaptar rapidamente aos desafios tecnológicos do metaverso, que vão desde a implementação de sistemas de informação e reestruturação das áreas de TI, até a melhoria das ofertas de ensino e soluções digitais.
Basicamente, as instituições de ensino que desejam ocupar esse espaço digital têm duas possibilidades: alocar a sua estrutura em um metaverso já criado ou reproduzir a sua estrutura em uma plataforma própria e privada.
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Como trabalhar o metaverso e o Direito nas IES?
Com a transformação digital do ensino, a educação é uma área que tem potencial para protagonizar os interesses humanos, a partir de aulas gamificadas e altamente interativas. Diversas IES, principalmente aquelas que investem no ensino superior a distância, poderão ter suas sedes no metaverso.
Explorar áreas do conhecimento abordadas na disciplina de Direito Digital também é muito importante para formar profissionais capacitados. A evolução do universo jurídico deve acontecer de forma que as leis que garantem a segurança da informação e proteção digital sejam respeitadas.
Portanto, acompanhar as mudanças e atualizar-se para a nova realidade é dever das intuições que ensinam Direito, pois este é o caminho que torna possível que as IES continuem contribuindo para a justiça digital no Brasil.
Esperamos que esse artigo tenha te ajudado a compreender como o metaverso e o direito podem se relacionar, e como se preparar para implementar essa tecnologia na sua IES. Para identificar outros pontos de melhoria no processo de ensino, descubra a importância de realizar o acompanhamento da aprendizagem dos alunos através de dados.