O ingresso no ensino superior brasileiro, seja em bacharelado, licenciatura ou tecnólogo, apresentou crescimento considerável nas últimas décadas. As matrículas na rede pública saltaram de aproximadamente 1,3 milhão, em 2007, para mais de 2 milhões, em 2017, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). As instituições privadas também viram os números dispararem, já que, no mesmo período, seu número de alunos matriculados subiu de 3,6 milhões para 6,2 milhões. Essas instituições, só em 2017, concentraram mais de 80% dos alunos que ingressaram no superior em todo o país. Foi uma porcentagem semelhante ao número de matrículas totais naquele ano, uma vez que 75% estavam concentradas na rede privada.
Diversos fatores estão envolvidos no crescimento desses números, como o aumento no número de instituições públicas do país e no número de oferta de vagas. Por outro lado, quanto às instituições privadas, programas, como o Universidade para Todos (PROUNI) e o Financiamento Estudantil (FIES), possibilitaram a uma grande parcela da sociedade a chance de ingressar no ensino superior, que, ao longo dos anos, tornou-se diferencial ou quase obrigatoriedade no currículo para inserção no mercado de trabalho. Tem-se também diversas Instituições de Ensino Superior (IES) privadas que, além de métodos de ingresso próprios, aceitam a nota do Enem como entrada.
A análise de estudos, como o Censo da Educação Superior, divulgado anualmente pelo MEC, permite-nos um olhar detalhado sobre o perfil dos alunos matriculados e dos ingressantes no ensino superior. Além disso, o cruzamento com outros dados divulgados pelo governo, como Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), as notas para acesso ao PROUNI, ao FIES e ao SISU (Sistema de Seleção Unificado) e os indicadores da Pesquisa Nacional de Domicílios (PNAD), dá-nos mais insumos para entender a realidade dos graduandos brasileiros.
Idade, ocupação e turno
Segundo dados referentes ao ano de 2017 e divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), após os jovens de 14 a 17 anos, a faixa etária com maior grau de desocupação entre as pessoas aptas ao trabalho, com cerca de 25% sem emprego, é composta por aqueles que têm entre 18 e 24 anos. Dentre os motivos apontados para esse alto percentual, estão a falta de experiência exigida pelo mercado de trabalho e a falta de formação acadêmica. No entanto, os dados do Censo da Educação Superior de 2017, o último divulgado pelo MEC, mostram que, também naquele ano, dos alunos matriculados no ensino superior, metade tinha entre 18 e 24 anos. Ou seja, trata-se justamente da parcela da população que busca o aprendizado de uma profissão para entrada no mercado de trabalho.
Outro dado relevante, possível de ser visualizado a partir dessas correlações de indicadores, é que, dentre esses jovens de 18 a 24 anos matriculados no ensino superior, mais de 70% estavam associados a alguma IES privada. São os alunos que ingressaram na graduação por meio dos programas citados (PROUNI e FIES) ou dos métodos de entrada aplicados pelas instituições (vestibular, seleção pela nota do Enem etc.) e que, portanto, têm sob sua responsabilidade arcar com os custos do curso, integralmente ou com auxílio de bolsas. Assim, os 3 milhões de jovens dessa faixa etária que, em 2017, estavam matriculados no ensino superior e que representavam a faixa com maior índice de desocupação no mercado de trabalho, são justamente aqueles que mais dependem de uma renda fixa para bancar seu estudo.
Há outros indicadores que corroborem essa situação? No mesmo censo, há dados sobre o número de matrículas nos cursos de graduação por turno. Nas IES públicas, aproximadamente 64% dos alunos estavam matriculados no período diurno, enquanto os restantes frequentavam o noturno. Os números indicam que apenas 1/3 estava vinculado ao período noturno. A situação, quando o foco passa a ser IES privadas, é completamente diferente. Nelas, 69% dos alunos estava vinculado ao período noturno, o que representava mais de 2/3 dos estudantes totais. Esses números, associados aos dados da PNAD, os quais indicavam em 2017 que cerca de 90% dos postos de trabalho no país estão distribuídos entre 5h e 22h, fortalecem a conclusão apresentada anteriormente.
Também de acordo com o MEC, as idades médias de ingresso são 21 anos para aqueles que operam pelo ensino presencial e 28 anos para os que optam pelo ensino à distância (EaD). Entre 2007 e 2017, os cursos à distância viram o número de alunos saltar de aproximadamente 300 mil alunos para quase 1,8 milhão, sendo que mais de 90% das vagas estavam vinculadas a instituições privadas.
Millennials e geração Z
Tecla a tecla, as informações sobre uma criança foram digitadas, e numa tela de computador iam sendo imediatamente visualizadas pela funcionária do hospital responsável pelo registro de nascimento dos novos bebês. O ano era 2001, e a humanidade entrava no terceiro milênio da era cristã. A partir desse dia, essa criança esteve rodeada por tecnologias: seus pais orgulhosos fizeram fotos e vídeos, primeiro em câmeras digitais e depois em smartphones, a cada etapa vencida por ela (a primeira palavra, o primeiro passo, o primeiro dia na escola, a primeira vez que escreveu etc.); prontuários pediátricos e boletins escolares foram registrados nos sistemas de hospitais e escolas; jogos multiplayer foram desbravados, e redes sociais frequentadas. Hoje, o bebê do milênio faz a inscrição para o vestibular ou Enem e aguarda o dia de matrícula online na instituição na qual iniciará sua graduação.
A grande exposição às tecnologias da informação e comunicação (TICs) e a facilidade de acesso à informação fazem das gerações de millennials (ou geração Y) e da geração Z um grupo de jovens acostumados ao ritmo acelerado do mundo atualmente. Tomar um ônibus e seguir ao Centro da cidade para realizar pesquisas na biblioteca pública não é mais uma realidade dos alunos de qualquer nível. Basta alguns cliques, para que os variados mecanismos de busca da internet mostrem dezenas de milhões de resultados relacionados a uma busca. Essas facilitações otimizam os processos, mas trazem consigo efeitos colaterais com relação ao comportamento das pessoas. A dificuldade de concentração é uma das principais consequências da imersão no mundo tecnológico, o que acarreta a impaciência e a necessidade de se resolver as coisas cada vez mais rápido. Nesse sentido, torna-se um desafio garantir o engajamento dos estudantes.
Como observado a partir dos dados anteriormente analisados, os alunos do ensino superior no Brasil não têm apenas as atribuições da faculdade como responsabilidades diárias. Eles conciliam o trabalho com o estudo, e o fazem muitas vezes por necessidade. Por isso, é preciso que os modelos de ensino-aprendizagem sejam bem pensados. Os cursos à distância dispararam no país diante dessa realidade. Apenas aulas tradicionais, com professores sendo vistos como transmissores de conhecimento e alunos como meros receptores, não são mais suficientes. É preciso se valer da fome de conhecimento, do interesse pela tecnologia, da necessidade de resposta imediata e da abertura à flexibilização dessas gerações para compor com elas um novo cenário de ensino que proporcione a apreensão do conhecimento de forma concreta e prazerosa. Entretanto, antes disso, é essencial atentar-se a um terceiro ponto.
O ensino básico
É extremamente importante que as IES públicas e privadas pensem em como aprimorar continuamente seu processo de ensino-aprendizagem. Levando isso em conta, adicionar à equação as experiências e o conhecimento anteriores do aluno é preciso. Seguindo a análise com dados oficiais de 2017, o Saeb daquele ano indicou que apenas 1,62% dos alunos que cursavam o terceiro ano do ensino médio apresentavam os níveis indicados como adequados pelo MEC em Língua Portuguesa. Em Matemática, 4,52% apresentavam esses níveis.
Diante desse cenário, a defasagem dos alunos ingressantes no ensino superior deve ser um ponto de cuidado das IES, sobretudo nas privadas. Programas públicos de ingresso, como PROUNI e FIES, demandam que os alunos apresentem médias no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de no mínimo 450. Esta é uma média baixa, mas a situação pode se mostrar ainda mais preocupante, quando se leva em conta que algumas instituições privadas indicam médias menores como requisito de entrada, ou mesmo aplicam testes muito simples para ingresso. Ou seja, não há um filtro que garanta que todos aqueles que iniciam a graduação apresentam o nível básico necessário para bom desempenho no curso.
Para saber mais
Como pode-se perceber, há muitos fatores a serem levados em conta se espera-se entender o perfil dos ingressantes no ensino superior, ou mesmo do conjunto total de alunos matriculados. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) realiza um amplo estudo a respeito do perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação nas instituições federais. A associação desenvolve atualmente um novo estudo, ainda sem previsão de divulgação. A IV Pesquisa, e última divulgada, em 2014, apresenta números interessantes no que diz respeito à renda dos estudantes, à cor, à idade, ao gênero e muitos outros dados que valem a pena ser conhecidos.
Entender o perfil e os anseios do público que se acolhe em sua instituição é indispensável quando se deseja oferecer o melhor serviço e as melhores condições de aprendizado e desenvolvimento.