A concorrência é acirrada: alunos munidos de smartphones, tablets e notebooks de alto desempenho, em meio a notificações das redes sociais e aplicativos que controlam cada atividade do dia. Diante da sala, professores universitários tentam estimular o interesse dos discentes, mas sentem que lhes faltam ferramentas necessárias para aproximar o aluno do conhecimento transmitido.
Além disso, com acesso imediato à informação, os conteúdos curriculares teóricos ministrados em aulas expositivas tornam-se um pesadelo para o aluno que as considera “do século passado”.
Temos aqui um cenário real e factível:
a) O perfil do estudante no contexto das TIC (tecnologias de informação e comunicação) reflete uma “pressa” de aprender: querem ter acesso ao conhecimento de maneira ágil, sem muito aprofundar em leituras que consideram “desnecessárias” e nesse processo, frente a milhares de outros estímulos tecnológicos, perdem o interesse pelas aulas, reduzindo o aprendizado a um nível raso e superficial.
b) A graduação e os cursos de pós-graduação que embasam a formação dos docentes no ensino superior têm se tornado insuficiente para desenvolver o repertório de atividades, avaliações e trabalhos conduzidos dentro e fora da sala de aula, diante do contexto de transformações do cenário escolar. Saber o conteúdo já não basta.
Não há, de fato, uma receita de bolo para mudar completamente os fatores que têm causado esse desalinhamento entre a perspectiva aluno-professor. A boa notícia é que é possível reduzir essa distância de aprendizado. O que buscamos com esse texto é justamente indicar três caminhos que vão auxiliar os docentes a lidar com esse novo contexto de transformações no ensino superior.
O professor como mediador: uma mudança de mindset
O ensino tradicional tem sido marcado pela transmissão do conteúdo com um enfoque puramente informativo. Paulo Freire (1987), em sua conhecida obra Pedagogia do Oprimido, traz o conceito de educação bancária como a imposição ou o depósito do conhecimento realizado pelo professor sobre os alunos. Para Freire, a educação se torna libertadora na medida em que seja superada a contradição entre educador-educando, de forma que ambos se façam e se reconheçam como educadores e educandos. Essa relação entre teoria e prática é permanente e deve subsidiar a dinâmica humana da “ação-reflexão-ação” que possibilita a mudança transformadora em algum grau da realidade, por meio da ação mais consciente.
O clássico modelo de aulas expositivas, em que se vislumbra um professor, detentor do conhecimento, e os alunos, ouvintes, meros receptáculos do conteúdo exposto, em um processo de pouquíssimo dialógico, ainda é uma constante no ensino superior. Em decorrência disso, o aluno tem se tornado um receptor passivo das informações que deve repetir de maneira literal nas avaliações de ensino. Nesse contexto, torna-se essencial ressaltar a importância do papel do professor como mediador do conhecimento na relação com os alunos, e não mais os de “donos” do saber.
Nessa seara, a mudança de mindset é importante para que o aluno esteja no centro do processo de aprendizagem, de forma que o professor promova sua participação contínua, contribuindo na indicação de informações de qualidade para o estudante que está rodeado de vários conteúdos.
O desenvolvimento de habilidades: por que isso é importante?
Além de compreender o seu papel de mediador no processo de ensino e aprendizagem, o docente deve buscar orientar suas aulas em desenvolver determinadas habilidades em seus alunos, muito mais do que se preocupar em transmitir a totalidade dos conteúdos previstos nos programas pedagógicos.
Isso porque o contexto de transformações pelo qual passa o cenário mercadológico e o exercício das profissões têm revelado que o egresso deve ser adaptável a esse contexto de mudanças velozes e que estará mais bem preparado se tiver desenvolvido skills, do que ter decorado todos os conceitos teóricos do curso. Desenvolver habilidades é um desafio para a educação superior de uma forma geral, que não deve ser desconsiderado no processo de aprendizagem.
Além disso, as avaliações externas como o ENADE, por exemplo, têm seus itens elaborados no intuito de verificar se determinadas competências, previstas para o perfil do egresso no curso superior foram, de fato, desenvolvidas. Os itens buscam ser interdisciplinares e não questionam dados memorizados ao estudante, de modo que os conteúdos são trabalhados como instrumento para a resolução do item, em que o seu conhecimento puro e simples não é suficiente para resolver a questão, na qual são exigidas operações mentais mais complexas, como reflexão crítica e análise de situações práticas.
Diante deste cenário de intensas transformações, o World Economic Forum (WEF) apresentou em 2018 um estudo bastante aprofundado sobre o futuro das profissões no mundo, o “The Future of Jobs Report”, de modo que o relatório expõe as diversas transformações da força de trabalho ao longo dos últimos anos, bem como a necessária janela de mudança que deverá envolver governos, instituições públicas e privadas e os trabalhadores a partir dos avanços tecnológicos da chamada “Quarta Revolução Industrial.”
Assim, foi apresentada uma lista de habilidades que deveriam ser desenvolvidas até o ano de 2022 para atender às expectativas do futuro do mercado de trabalho em diversas áreas do conhecimento:
Essas habilidades demonstram o quão relevante é investir em práticas docentes e atividades que estimulem o seu desenvolvimento. Elas promovem o pensamento crítico e analítico e a necessidade de resolver problemas complexos. Além disso, demonstram a necessidade de incluir o aluno no processo de aprendizagem de maneira ativa, por meio da criatividade e iniciativa.
Como despertar o interesse no aluno?
Mediar o conhecimento e desenvolver habilidades só será efetivo se houver um elemento muito importante dos alunos: o desejo de aprender.
O interesse estudantil, baseado no “querer”, é um elemento essencial para que o aprendizado ocorra. Não basta ter um professor disposto a ensinar, é necessário despertar o desejo nos ouvintes. E a solução é uma só: trazer o conteúdo teórico para a realidade prática dos estudantes.
Chamar a atenção dos alunos não exige teatro ou stand-up, mas uma conexão entre o que se fala e o que se vive. A conexão da teoria conteudista e a vivência dos conceitos na realidade promovem um aprendizado natural, baseado em experiências sensoriais que fixam o aprendizado de maneira duradoura. Mas como fazer isso?
Em primeiro plano, é preciso esclarecer que a aula teórica é importante, sim! Não será possível promover dinâmicas, atividades e metodologias inovadoras com estudantes que não têm aporte teórico sobre os conteúdos ministrados nas disciplinas.
Os conteúdos devem ser trabalhados em sala de aula de maneira didática, explicativa, e minuciosa em um primeiro momento, com atividades de fixação.
Em um segundo momento é preciso promover atividades que permitam ao aluno estar no centro do processo de aprendizagem, de modo que ele se sinta agente do seu processo e não apenas o receptor das informações postas. Para isso é indicado o desenvolvimento de novas metodologias de ensino, chamadas “metodologias ativas” com recursos didáticos inovadores, que propõem uma nova perspectiva de learning, para o aluno e para o professor.
Diante deste cenário de transformações na educação superior, movidas pelas TIC (tecnologias de informação e comunicação), é preciso que os três pilares descritos sejam trabalhados conjuntamente na sala de aula: o papel do professor deve ser alinhado com uma mudança de mindset: de “dono” a “mediador” do saber, as práticas docentes devem estar consonantes a um aprendizado baseado no desenvolvimento de habilidades nos estudantes e o aluno deve ser trazido para o processo de ensino e aprendizagem por meio da conexão entre o conhecimento teórico e a sua realidade prática.