Segundo Theodore Levitt, há “miopia em marketing” quando as organizações são voltadas para o produto, mantendo uma relação romântica com este, em vez de se orientarem para o mercado, praticando o verdadeiro marketing.
Esta parece ser a realidade da maioria das instituições de educação superior (IES), que estão voltadas para seus produtos, concentrando seus esforços em vendê-los ao mercado, em vez de fomentar a prática correta do marketing, compreendendo e atendendo às necessidades do mercado com produtos inovadores.
Mas o que é preciso fazer para fomentar produtos inovadores nas IES que atendam às necessidades do mercado? Como desenvolver as competências e os modelos mentais para tal?
Já há muito tempo que os produtos das IES não atendem plenamente as necessidades de inovação do mercado, ou seja, falta inserir nos produtos o desenvolvimento de modelos mentais e competências ou CHA (Conhecimento: o saber; Habilidade: o saber fazer; Atitude/Comportamento: o querer fazer certo.) que fomentem inovações no mercado.
Foco no mercado
Há 17 anos, publiquei um artigo no Jornal Gazeta Mercantil intitulado “QI contrata e QE demite”, indicando que o Quociente Emocional (QE) é mais crítico para o sucesso profissional do que o Quociente Intelectual (QI). Ou seja, a principal razão das demissões voluntárias nas empresas se dava na época por razões comportamentais e não técnicas.
Esta realidade parece estar também no presente e projetada no futuro do mercado de trabalho, e um dos fatores que contribui para isto é o fato de as grades escolares das IES não conectarem adequadamente o desenvolvimento de inteligência intelectual com a inteligência emocional dos alunos.
Em relação às competências, ou CHA, a grande maioria dos cursos parece não articular do C (Conhecimento) e o H (Habilidade), com o desenvolvimento do A (Atitude/Comportamento), fator crítico de sucesso pessoal e profissional dos alunos.
Competências como aprendizado contínuo, criatividade, empatia e pensamento crítico que foram consideradas fundamentais para o trabalhador do futuro no Fórum Econômico Mundial 2022, aparentemente não estão contempladas na grade escolar das IES.
Isso demonstra a miopia em marketing citada anteriormente, e, no limite, pode formar estudantes para o insucesso profissional. Para ter impacto nas estratégias de inovação, as IES devem ter foco no mercado e cocriar com os clientes produtos que desenvolvam CHA e modelos mentais do trabalhador do futuro.
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CHA para Inovação
Além do foco no mercado, o segundo elemento fundamental para inovação acontecer nas IES é a adoção das metodologias ativas de ensino visando articular o desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais dos alunos.
Estas metodologias incentivam o protagonismo do aluno, onde o professor não se coloca como o oráculo do conhecimento, e sim atua criando condições em que o aluno se motive ao aprendizado ativo e articule o próprio desenvolvimento de CHA para brilhar no horizonte profissional que desejar.
Por exemplo, o aprendizado baseado em projetos, pode desenvolver competências de comunicação, negociação, pesquisa, trabalho em equipe etc., despertando a proatividade, a curiosidade e a busca de informação pelo próprio aluno.
Em princípio, todas as disciplinas podem aplicar metodologias ativas de ensino para articular os conhecimentos e as habilidades técnicas com as atitudes/comportamentos, desenvolvendo com isso competências importantes para o sucesso profissional dos alunos.
Para tal, é necessário que as ementas das disciplinas sejam cocriadas com o mercado, tenham os resultados específicos a serem alcançados, as competências a serem desenvolvidas, os critérios de avaliação e os planos de aula especificando os conceitos fundamentais e as atividades de ensino ativo.
Modelo Septagrama dos Líderes Inovadores (MSLI)
Brillo e Boonstra, 2018, revelam como as organizações bem-sucedidas implementam inovações e quais os conjuntos de competências e modelos mentais que pessoas inovadoras têm em comum.
São pessoas que seguem sua ambição, pensam, sentem e agem para que as coisas possam ser feitas de maneira diferente, melhor e com valor econômico. São pessoas que acreditam que vale a pena fazer um esforço para inovar, estão preparadas para assumir riscos, a partir de uma posição de compromisso e motivação pessoal.
Os autores destacam 7 mentalidades fundamentais que podem servir de base de desenvolvimento de modelos mentais para fazer a inovação acontecer nas IES.
Mentalidade estratégica
Inovar implica mudança, que mexe com os sentimentos das pessoas. Quando as situações são incertas, as pessoas procuram informações e significados para serem capazes de interpretar cada situação.
O significado dá cor à situação e direção ao comportamento. Se a sobrevivência está em jogo, há incerteza, que às vezes pode ter um efeito paralisante. As pessoas que tomam a iniciativa nesses casos – interpretando a situação e mostrando o caminho a seguir – oferecem uma nova perspectiva para o futuro desejado.
É assim que elas inspiram outras pessoas a se juntarem nesse curso e aproveitarem o futuro. Desenvolver a mentalidade estratégica implica experienciar situações incertas onde as pessoas possam ser capazes de imaginarem juntas o futuro desejado, traçarem o caminho e quererem segui-lo.
Mentalidade política
A exigência do mercado por profissionais cada vez mais qualificados, a busca dos acionistas por retorno atraente para os investimentos e a necessidade de empregabilidade adequada dos estudantes, são fatores que interferem na estabilidade e sustentabilidade das IES.
Concorrentes, novos entrantes e produtos substitutos podem ameaçar o modelo institucional e desafiar a instituição a inovar. Políticos e autoridades influenciam as atividades acadêmicas expressando opiniões e desenvolvendo novas leis e normas.
Para desenvolver a mentalidade política nas IES é necessário formar uma coalizão de pessoas dentro e no entorno da instituição que apoiem iniciativas inovadoras e queiram participar delas, criando uma visão geral dos interesses dessas partes e formando amplas redes colaborativas para fomentar as inovações.
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Mentalidade transformacional
Pessoas bem-sucedidas no desenvolvimento de uma cultura de inovação costumam formular uma visão desafiadora para a transformação da instituição, na qual as pessoas motivem umas às outras, formam coalizões vitais para desenvolver a criatividade na instituição e desejem desempenhar um papel de destaque no mercado alinhado a esta visão.
A mentalidade transformacional diz respeito à capacidade das pessoas de visualizar um futuro diferente e melhor. Essa visão reflete o significado da instituição e deixa claro o que ela representa e almeja.
Isso costuma dar significado ao trabalho das pessoas, estimular inovações, fazer com que elas sintam orgulho da instituição e compartilhar essa visão dentro e no entorno da IES.
Mentalidade apreciativa
Um dos fatores críticos para o desenvolvimento da mentalidade apreciativa é a consciência que as pessoas têm do passado, do que deu certo, bem como aprender com os erros cometidos.
Reconhecem as contribuições de seus antecessores e sabem valorizar os outros pela forma como contribuem para a instituição. Constroem relações de confiança em torno de si, aproveitam as oportunidades de inovação e se qualificam para o futuro.
É importante abrir espaço para que emoções emerjam nas IES, procurando desenvolver relações de confiança, apreciando a diferença entre as pessoas e a diversidade delas.
Conhecer e apreciar as diferentes competências das pessoas é importante para formar equipes com perfis variados, tão cobiçadas no mercado, pois estas diferenças podem ser uma fonte contínua de inovação.
Mentalidade experiencial
Essa mentalidade é sobre experimentar a inovação nas IES, tornando os resultados visíveis, aceitando e aprendendo com os erros, e compartilhando ricas experiências.
As pessoas aprendem com os eventos críticos e com os erros cometidos. Essas experiências de aprendizagem formam a cultura da instituição, porque vivenciando tais situações, as pessoas aprendem a lidar com eventos inesperados.
A ideia por trás disso é que as pessoas que aprendem nas instituições, normalmente são curiosas e estão dispostas a experimentar. Experimentar e aprender pode levar pessoas de diferentes origens a compartilhar espontaneamente seus CHA’s e vibrar com o sucesso mútuo.
Mentalidade ativa
Inovação sem implementação efetiva é um devaneio, e a implementação da inovação sem uma visão estratégica é um pesadelo.
Pessoas com mentalidade ativa costumam tomar a iniciativa e concentrar energia em torno das coisas que precisam mudar. Compartilham uma ambição que guia suas ações e se motivam a experimentar ativamente novas práticas.
São orientadas para a ação, para resultados e tomam a iniciativa de inovar na instituição, descobrindo que há muitas formas de fazer coisas diferentes, melhores e com valor econômico. O estado da arte nos processos de inovação consiste numa combinação coerente abrangendo o desenvolvimento de um plano de ação, o motivo para inovar e as estratégias para fazer a inovação acontecer nas IES.
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Mentalidade reflexiva
Para o desenvolvimento da mentalidade reflexiva torna-se necessário que as pessoas estejam conscientes das dinâmicas dentro e no entorno das IES, tenham autoconhecimento e conheçam os outros com profundidade e usem essa consciência para direcionar a energia para realizar inovações.
Tensões são comuns nos processos de inovação, costumam ser óbvias e parte integrante da dinâmica da instituição. Essas tensões costumam ajudar a descobrir as regras não escritas da instituição e as dinâmicas subjacentes que orientam o comportamento das pessoas.
As inovações costumam colocar os valores, os hábitos e as formas de conduta existentes sob pressão, emergindo tensões e conflitos, que podem ser uma fonte criativa de renovação de valores mais profundos na instituição.
Ressalto que para ter impacto nas estratégias de inovação, as IES devem ter foco no mercado, cocriar com os clientes produtos inovadores e adotar metodologias ativas de ensino visando articular o desenvolvimento de competências e modelos mentais do trabalhador do futuro.
Para tal, o professor deve atuar no sentido de criar condições individualizadas para motivar os alunos a serem protagonistas no desenvolvimento dos seus CHA’s, considerando suas ambições pessoais/profissionais.
É necessário que as ementas das disciplinas sejam cocriadas com o mercado, tenham os resultados específicos a serem alcançados, as competências a serem desenvolvidas, os critérios de avaliação e os planos de aula especificando os conceitos fundamentais e as atividades de ensino ativo.
O Modelo Septagrama dos Líderes Inovadores (MSLI), pode ser uma grande inspiração para execução de estratégias e desenvolvimento de modelos mentais e competências de inovação nas IES. O Assessment MSLI está disponível em joaobrillo.com
Referências
Liderança e Cultura Organizacional para Inovação, Brillo & Boonstra (2018) Editora Saraiva.
Liderança Inovadora: como se destacar em ambientes de mudanças, Brillo (2020) Editora Expressa / Saraiva Educação.
Contribuições do professor Marcelo Minutti e do aluno Ismael Daoud.