Muito se fala em mudar a educação, torná-la mais significativa e repensar os modelos tradicionais de aprendizagem. As demandas contemporâneas não são mais atendidas pelas metodologias pedagógicas antigas, uma vez que as mudanças sociais, hoje, acontecem diariamente. Entretanto, como pensar essa revolução no sistema educacional? O que de fato é preciso ser feito? Uma resposta possível está na educação sistêmica!
As instituições de educação superior (IES) desempenham um bom papel em operacionalizar experiências de aprendizagem e questões burocráticas relacionadas aos processos de ensino. Porém, as questões subjetivas — como sentimentos, emoções e contextos sociais — às vezes são deixadas de lado.
Essa é a realidade há muitas e muitas décadas, e mostra a defasagem do modelo tradicional. Para construir uma educação revolucionária, é necessário tratá-la sob uma perspectiva holística — isto é, compreendendo-a em toda a sua totalidade, que não começa, não termina e tampouco se restringe ao ambiente da sala de aula.
A educação sistêmica, por outro lado, propõe um novo olhar para as relações na sala de aula, visando à potencialização da aprendizagem. Quer entender mais o que ela significa e como pode ser aplicada em sua IES? Continue lendo!
O que é educação sistêmica?
A educação sistêmica (também chamada de pedagogia sistêmica) é uma abordagem educacional que compreende o estudante como um ser complexo, formado a partir da teia intrincada de relações entre família, sociedade, emoções, sentimentos, entre outros. Cabe ressaltar que ela não é uma metodologia de ensino.
Além disso, a educação sistêmica coloca em primeiro plano a interação entre os atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, como professor, aluno, colegas e familiares.
A educação sistêmica, em suma, propõe que a aprendizagem ocorra englobando todos os elementos da vida do estudante, dentro e fora de sala de aula, e as diferenças entre cada um.
Nas palavras de uma das maiores estudiosas da educação sistêmica do mundo, a professora alemã Marianne Franke-Gricksch:
“O pensamento sistêmico inclui o conhecimento de que o aluno e os professores estão conectados a suas famílias de origem (e às ideias e regras desse sistema). Ser parte do sistema escola significa que a escola também faz parte de todos os sistemas familiares que estão conectados a ela ou, usando imagens, que as famílias de origem de todos os alunos e professores representam subsistemas de uma escola. Dessa forma, as famílias atuam na escola e a escola nas famílias (..). Assim, não podemos distinguir completamente onde o ‘sistema família’ termina e o ‘sistema escola’ começa.”
A ideia trazida pela professora Franke-Gricksch mostra que, na educação sistêmica, o processo educacional deixa de ser visto como algo que deve ser tratado à parte, em uma esfera específica da vida do aluno. Ele passa a ser considerado nessa perspectiva holística — considerando ser uma parte do todo.
“Segundo nossa noção tradicional, que nos deixa acreditar que podemos perceber o mundo do modo como ele é, consideramos família e escola como duas unidades claramente delineadas, cada uma com suas próprias regras, necessidades e tarefas. Hoje, contudo, sabemos que nenhum sistema pode ser mantido completamente independente de outro sistema e que a escola também não pode ser mantida afastada de tais fatores como televisão ou a cultura jovem existente”, aponta a professora.
Por que educação sistêmica?
A palavra “sistêmica” remete à ideia de que é necessário pensar a reestruturação da educação, em uma perspectiva que considere todo o sistema em que ela se encontra.
Em duas definições do dicionário Oxford, é possível constatar que sistema é:
- conjunto de elementos, concretos ou abstratos, intelectualmente organizados.
- conjunto das instituições econômicas, morais, políticas de uma sociedade, a que os indivíduos se subordinam.
Ou seja, pensar em uma educação sistêmica é pensar como a educação se relaciona com todo o conjunto de elementos e instituições que formam a sociedade — o sistema.
Mas, afinal, por que pensar nessa mudança de paradigmas relacionados às práticas pedagógicas? Há alguns motivos mais evidentes:
- Aumento da inclusão: a mudança social percebida nos últimos anos, em todas as esferas, vem incluindo cada vez mais pessoas de contextos sociais antes excluídos nas escolas e universidades;
- Demanda por profissionais com habilidades socioemocionais: a educação formal, hoje, vem cada vez mais se alterando para dar conta de desenvolver habilidades e competências socioemocionais, consideradas o grande diferencial dos profissionais do futuro;
- Necessidades dos estudantes em constante mudança: a rapidez das informações na era das redes sociais e das interações instantâneas fez com que as necessidades dos estudantes contemporâneos sejam cada vez mais dinâmicas. Isso exige uma constante capacidade de olhar para os contextos em que essas relações se dão.
Quais são os princípios da educação sistêmica?
A educação sistêmica preza por alguns valores que nem sempre são propagados nos modelos tradicionais, uma vez que propõe que os processos educacionais sejam parte de um todo maior.
Com isso, o olhar sistêmico sobre o estudante o contempla em várias dimensões. Veja alguns de seus princípios a seguir!
1. Estudantes no centro
A educação sistêmica prega que estudantes devem ser o centro do processo de ensino-aprendizagem — assim como outras metodologias que vêm sendo utilizadas na contemporaneidade, como as metodologias ativas.
No caso da pedagogia sistêmica, a autonomia é um fator extremamente importante para o espaço de ensino. Ela garante que o estudante coloque em prática seus interesses individuais e tenha espaço para expressar quem é, considerando seu background social e familiar, suas aptidões e suas aspirações futuras.
2. Estudantes colaborativos, não competitivos
Ao mesmo tempo em que é necessário construir um espaço em que os estudantes sejam autônomos e tomem decisões sobre o processo de aprendizagem (que é inalienavelmente seu), também é imprescindível, para a educação sistêmica, garantir que eles se coloquem, enquanto grupo, em pé de igualdade e colaboração — e não competição.
Nas salas de aula tradicionais, muitas vezes a competição é estimulada entre os alunos, mesmo que de forma não intencional.
O estímulo a não conversar em sala de aula, a escolha de apenas um estudante para responder a uma pergunta feita, a falta de valorização das diferentes maneiras de se comportar… Tudo isso faz com que o ambiente de sala de aula seja competitivo e estimule a pouca colaboração entre os alunos.
Para a educação sistêmica, é necessário romper essa lógica. Estimular a construção de relações amigáveis entre estudantes, eliminar os fatores que induzem à competição são passos essenciais para que isso aconteça.
Em outras palavras, a educação sistêmica pode se realizar com maior facilidade através dos preceitos da aprendizagem colaborativa.
3. Estudantes respeitados
Além dos valores anteriores, também é necessário, na educação sistêmica, respeitar as individualidades dos estudantes. Elas envolvem suas emoções, sentimentos e vivências anteriores e exteriores à sala de aula.
O propósito desse valor é interligar a vida do estudante, em todos os seus sentidos e aspectos, à experiência de ensino-aprendizagem. É uma das premissas também da aprendizagem significativa.
Assim, as habilidades e as competências socioemocionais são desenvolvidas de forma muito mais orgânica e contextualizada para o aluno, integradas às atividades cotidianas, e não tratadas como tarefas separadas.
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Qual é o papel do professor na educação sistêmica?
O papel do professor na implementação da educação sistêmica é tão importante que é possível dizer que ela só começa a partir dele.
Nos modelos tradicionais, o professor é o detentor maior do conhecimento, o mestre que transmite de forma unidirecional os saberes da sala de aula. Não há troca, apenas transmissão, e a hierarquia é estabelecida de maneira muito mais rígida.
Entretanto, nos dias atuais, o conhecimento puro em si não é mais o foco do aprendizado. O acesso à internet e a um sem-fim de livros, arquivos e aulas fazem o professor perder o seu papel de detentor único dos saberes, já que esses saberes podem ser encontrados em poucos segundos por qualquer um que pesquise.
Assim, na educação sistêmica, o professor assume o papel de parceiro do aluno, em uma educação dialógica. A hierarquia deixa de se estabelecer de maneira vertical, e o que antes era uma relação de poder passa a ser uma relação horizontal de coleguismo e aprendizado mútuo.
O professor ocupa, nesse processo, o lugar de mediador e guia do aprendizado, uma vez que é mais experiente. Assume também o papel de facilitador do processo de ensino-aprendizagem, já que tem condições de estabelecer as dinâmicas necessárias para que o estudante aprenda considerando a perspectiva holística dessa abordagem.
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Como colocar a educação sistêmica em prática na IES? Confira 3 dicas-chave!
Vimos, na teoria, como funciona a educação sistêmica. Agora, é hora de verificar o que de fato pode ser implementado na IES para colocá-la em prática!
1. Reorganização de carteiras
Um dos primeiros passos para implementar os princípios da educação sistêmica é reorganizar e ressignificar a posição das carteiras em sala.
Nos modelos tradicionais, as carteiras são colocadas em fileiras, em que os estudantes se posicionam um atrás dos outros e o professor ocupa uma posição de destaque.
Já na educação sistêmica, idealmente todos estão em posição de igualdade: as carteiras são organizadas em círculo, de frente umas para as outras, e o professor senta-se em uma delas. Dessa forma, todos podem se olhar nos olhos e compartilhar ideias sem maiores dificuldades.
Outra possibilidade é ressignificar o próprio espaço em que as aulas ocorrem, considerando a possibilidade de fazer aulas ao ar livre, ou em ambientes em que estudantes se sintam mais confortáveis.
2. Todos falam pelo mesmo tempo
Na educação sistêmica, é fundamental garantir que todos os estudantes tenham o mesmo tempo de fala em debates e discussões. Assim, desestimulamos o hábito de apenas um ou dois estudantes levantarem a mão e expressarem ideias.
Com isso, faz parte da dinâmica da sala de aula da educação sistêmica garantir que todos falem pelo mesmo tempo pré-determinado, sem distinção. Cabe ao facilitador das discussões — em grande parte, o professor — promover essa equiparação, e também buscar alternar o tempo todo entre todos os alunos.
3. Participação ativa
Assim como no ponto anterior, é fundamental que estudantes sejam estimulados a participar ativamente, considerando suas individualidades. Para que isso aconteça, é necessário estimular atividades diferentes, que sejam interessantes para todos os estudantes, e não apenas para aqueles que são naturalmente mais engajados.
Nesse sentido, cabe também ao professor promover dinâmicas diferentes de sala de aula, que ajudem a facilitar o aprendizado para todos e estimulem a participação ativa. Uma boa opção, nesse sentido, é conferir mais sobre a personalização do ensino.
4. Espaços seguros de escuta e troca
Outro aspecto importante da educação sistêmica é a criação de espaços seguros de troca e escuta. Para que os estudantes se sintam seguros e confortáveis de compartilhar suas vivências e integrar o ambiente acadêmico à sua vida como um todo, é fundamental promover diálogo, empatia, colaboração para resolução de problemas, entre outros.
Esperamos que este artigo te ajude a conhecer melhor a educação sistêmica e como ela pode ser implementada na sua IES. Leia nosso próximo artigo e saiba como aplicar a aprendizagem baseada em equipes na sala de aula!