“Nossos alunos mudaram radicalmente. Os alunos de hoje não são os mesmos para os quais o nosso sistema educacional foi criado.”
As palavras acima foram ditas há mais de vinte anos, mas permanecem aplicáveis a nossa realidade atual. São de autoria do professor e escritor estadunidense Marc Prensky, que ficou reconhecido por ter cunhado as expressões “nativo digital” e “imigrante digital”.
Suas publicações tratam de assuntos muito relevantes para o atual contexto pedagógico, naturalmente permeado pelas tecnologias de acesso à rede. Podem nos auxiliar, portanto, a responder à seguinte pergunta: como os nativos digitais aprendem?
A questão é que as novas gerações, via de regra, são fruto de uma realidade distinta de seus educadores. Elas conheceram, desde o nascimento, um mundo onde smartphones, tablets e computadores são tão comuns quanto outros objetos, como fogão e geladeira.
Desse fenômeno podem surgir algumas questões:
- De que forma o ensino deve ser (re)pensado para dialogar com a natividade digital?
- Como manter a atenção e interesse destes novos alunos?
- Qual é o papel dos professores diante desse conflito de gerações?
Pensando em fomentar a discussão sobre essas perguntas tão relevantes hoje em dia, preparamos o presente texto.
Vamos nos reportar aos ensinamentos de Prensky e às atuais abordagens pedagógicas tecnológicas para auxiliar sua instituição de educação superior (IES) a lidar com o aluno do futuro — que, a bem da verdade, já se encontra no presente.
Tenha uma boa leitura!
O que é um aluno nativo digital?
Um aluno nativo digital é um estudante que nasceu em contextos em que as tecnologias digitais, como internet e videogames, já estavam presentes. Ou seja, são pessoas que cresceram em contato com essas novas tecnologias, de forma que esse contato passa a ser um dos aspectos formadores de sua identidade.
Trata-se de uma expressão difundida pelo autor Marc Prensky, no artigo “Nativos Digitais, Imigrantes Digitais”. Em suas palavras, “nossos estudantes de hoje são todos “falantes nativos” da linguagem digital dos computadores, vídeo games e internet.”
Você encontra, clicando aqui, uma tradução do artigo feita pela professora Roberta de Moraes Jesus de Souza. Vamos utilizar essa publicação de Prensky para compreender melhor as características dessa nova geração de alunos.
Nesse sentido, confira o trecho abaixo:
“Os alunos de hoje — do maternal à faculdade — representam as primeiras gerações que cresceram com esta nova tecnologia. Eles passaram a vida inteira cercados e usando computadores, videogames, tocadores de música digitais, câmeras de vídeo, telefones celulares, e todos os outros brinquedos e ferramentas da era digital. Em média, um aluno graduado atual passou menos de 5.000 horas de sua vida lendo, mas acima de 10.000 horas jogando videogames (sem contar as 20.000 horas assistindo à televisão). Os jogos de computadores, e-mail, a Internet, os telefones celulares e as mensagens instantâneas são partes integrais de suas vidas” (Prensky, 2001, destaques nossos).
Essas palavras ilustram bem como os nativos digitais aprendem, ou pelo menos como se entretêm. O contato frequente, rápido e intenso com estímulos visuais e auditivos é uma parte importante da equação.
Mas vamos falar melhor sobre as características destes alunos.
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Quais são as principais características dos alunos nativos digitais?
De acordo com Marc Prensky, os alunos nativos digitais:
- Estão acostumados a receber informações de forma muito acelerada;
- Gostam de realizar múltiplas tarefas a um só tempo;
- Preferem analisar gráficos antes de ler textos, e não o oposto;
- Gostam do recurso hipertexto;
- Trabalham melhor quando estão ligados a uma rede de contatos;
- Têm sucesso com gratificações instantâneas e recompensas frequentes;
- Possuem afinidade com jogos.
Quais são as principais dificuldades dos alunos nativos digitais?
As dificuldades apresentadas pelos alunos nativos digitais estão relacionadas principalmente ao foco.
Como cresceram bombardeados por estímulos visuais e sonoros, eles aprendem em ritmos e frequências diferentes. Assim, a dificuldade de concentração é uma questão muito comum entre esse tipo de estudante.
Uma pessoa que cresceu em outros contextos, apartada das tecnologias digitais, pode apresentar mais facilidade em manter o foco e se distrair menos. Além disso, como os nativos digitais são adeptos do multitasking, é também comum que não executem todas as suas tarefas com tanto afinco.
É interessante, então, pensar nessas questões ao lidar com o aluno nativo digital. Podemos, por exemplo, propor atividades e recursos que colaborem para exercitar foco e concentração.
Mas é importante entender que, junto a essas dificuldades, vêm algumas facilidades. O papel do docente é aproveitar também as aptidões típicas do nativo digital, para que o processo de ensino-aprendizagem transcorra de forma mais fluida.
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E o que são os imigrantes digitais?
Imigrantes digitais são outro conceito disseminado por Marc Prensky. São definidos como “Aqueles que não nasceram no mundo digital, mas em alguma época de nossas vidas, ficou fascinado e adotou muitos ou a maioria dos aspectos da nova tecnologia” (Prensky, 2001).
Ou seja, em contraponto aos nativos digitais, os imigrantes não tiveram contato com a linguagem digital desde o início de suas vidas. Em algum ponto, depois de mais velhos, tiveram acesso às novas tecnologias e as incorporaram em sua realidade, adaptando-se.
Daí o uso do termo “imigrante”: são pessoas que fizeram a passagem, a travessia para um outro mundo diverso daqueles que conheceram até então.
Em função disso, Prensky fala sobre o “sotaque” que eles possuem, como uma metáfora para as barreiras de compreensão da linguagem digital:
“O ‘sotaque do imigrante digital’ pode ser percebido de diversos modos, como o acesso à internet para a obtenção de informações, ou a leitura de uma manual para um programa ao invés de assumir que o programa nos ensinará como utilizá-lo.
Atualmente, os mais velhos foram “socializados” de forma diferente das suas crianças, e estão em um processo de aprendizagem de uma nova linguagem. E uma língua aprendida posteriormente na vida, os cientistas nos dizem, vai para uma parte diferente do cérebro.” (Prensky, 2001).
O autor menciona, ainda, alguns exemplos cômicos deste sotaque:
- Quando se imprime um e-mail para realizar sua leitura;
- Quando se mostra presencialmente uma página na internet para outra pessoa, ao invés de lhe encaminhar o link;
- Quando se faz marcações no texto digital impresso, e não no arquivo original.
Humor à parte, Marc Prensky ressalta também que os imigrantes digitais não são piores ou melhores do que os nativos. Como em qualquer conflito geracional, são apenas pessoas diferentes, nascidas em contextos diferentes e que possuem características diferentes.
Mas, independente disso, uma coisa é certa: os imigrantes digitais não devem insistir em impor os métodos clássicos de ensino, sem que haja alguma cessão.
Apenas insistir nas metodologias antigas e engessadas é um tiro no pé e não é como os nativos digitais aprendem. Eles representam apenas as primeiras de várias gerações que virão pela frente.
Para abraçar esses alunos e manter sua sustentabilidade, a IES deve apostar na inovação na educação superior.
Como promover um diálogo efetivo entre nativos e imigrantes digitais?
Para alcançar a melhor forma como os nativos digitais aprendem, é imprescindível que exista um diálogo entre as gerações.
As metáforas utilizadas por Prensky não falam de barreiras linguísticas à toa. Às vezes, realmente parece que se fala línguas diferentes com sotaques distintos.
Lidar com esse tipo de aluno, então, requer um exercício de empatia por parte dos imigrantes digitais. É preciso entender que a cabeça do nativo digital funciona de forma diferente; todos somos frutos de nosso tempo.
Os nativos digitais também precisam de alteridade para compreender seus professores, e entender que a forma tradicional de fazer as coisas também têm seu valor.
Todo diálogo é uma troca, e toda troca envolve uma cessão. Se ambas as partes conversarem de forma aberta e respeitosa, o processo de ensino-aprendizagem verá muitos benefícios.
Falando agora de forma mais prática, existem alguns recursos que podem auxiliar a captar e a lecionar para os alunos nativos digitais. Investir em tecnologia educacional é uma forma de capturar seu interesse.
Assim, podemos conciliar essas soluções com as abordagens clássicas. Mantemos, dessa forma, o interesse do aluno nativo digital e garantimos que ele aprenda da melhor forma possível.
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Conheça 5 recursos pedagógicos para nativos digitais!
Agora que já conhecemos melhor como os nativos digitais aprendem, vamos passar para nossas dicas práticas.
Neste tópico, iremos apresentar 5 recursos pedagógicos tecnológicos para garantir seu aprendizado eficiente. São ferramentas inovadoras e muito demandas no atual contexto educacional.
Vamos passar pelos seguintes recursos:
- Conteúdos digitais
- Gamificação
- Microlearning
- Multimídia e hipermídia
- Metodologias ativas
1. Conteúdos digitais
Os conteúdos digitais, certamente, são recursos ideais para responder à forma como os nativos digitais aprendem.
Aulas expositivas presenciais, grandes livros físicos e avaliações impressas são desinteressantes do ponto de vista destes alunos, e estão ficando no passado. Por outro lado, materiais virtuais interativos são opções que conseguem fisgar a escorregadia atenção dos nativos digitais.
Ao contrário do que se costuma pensar, os conteúdos digitais não são restritos ao ensino superior a distância. Essa modalidade foi, de fato, responsável pela sua difusão, mas eles agora alcançam todo o universo educacional.
Isso porque os conteúdos digitais apresentam uma série de vantagens, como:
- Maior acessibilidade aos alunos, já que precisam, basicamente, de dispositivos de acesso à rede;
- Maior rentabilidade para alunos e IES, já que os custos de produção e manutenção destes conteúdos são reduzidos;
- Contemplação de diferentes formas de aprendizado, por meio de materiais em diversos formatos;
- Facilitação de metodologias ativas, que estimulam o protagonismo dos estudantes, entre outras.
Optar por este tipo de conteúdo é uma forma certeira de capturar o interesse das novas gerações de alunos. Como os nativos digitais aprendem por meio das tecnologias digitais, oferecer conteúdos baseados nessas tecnologias é uma ótima ideia.
2. Gamificação
Como ensinar gerações que cresceram jogando videogames? Por meio dos videogames!
A gamificação na educação é uma das principais tendências educacionais dos últimos anos. Ela vem sendo aplicada desde a educação básica até a educação superior, em função dos seus diversos benefícios.
Essa iniciativa pedagógica consiste em aplicar elementos, ferramentas e estratégias típicas de jogos no contexto educacional. Adota-se, assim, lógica, regras e até mesmo o design dos jogos em atividades de aprendizagem.
Como os nativos digitais aprendem por meio de estímulos acelerados, utilizar recursos típicos de jogos é uma boa opção para captar sua atenção. Além disso, conforme leciona Prensky, estes jovens alcançam bons resultados com gratificações instantâneas e recompensas frequentes, como ocorre quando se passa de nível em um game, por exemplo.
Por isso, o principal objetivo da gamificação na educação é aumentar o engajamento dos estudantes, além de trabalhar as seguintes habilidades socioemocionais:
- Proatividade
- Organização
- Autonomia
- Responsabilidade
- Curiosidade
- Capacidade de pesquisa
- Independência
- Cooperação
- Disciplina
- Pensamento crítico, entre outras.
Através dela, conseguimos tornar o processo de ensino-aprendizagem mais atrativo, dinâmico e lúdico. Os imigrantes digitais mais tradicionalistas possuem resistência à ideia de trazer diversão às IES, mas os resultados podem convencê-los de sua eficiência.
3. Microlearning
O microlearning é outra tendência que dialoga perfeitamente com a forma como os nativos digitais aprendem. Isso porque, para responder ao fluxo acelerado e intenso de informações de nosso paradigma, precisamos repensar o tempo do nosso aprendizado.
Pense na figura típica do aluno nativo digital, navegando entre milhares de páginas, vídeos, comentários, jogos e memes durante um único dia. A atenção desse estudante é muito volátil: ela vai e vem na velocidade de um clique (ou de um toque na tela).
Com esse aluno em mente, faz sentido insistir em aulas ininterruptas de uma hora e meia de duração?
No ensino presencial, com professor e alunos no mesmo ambiente físico, já é difícil prender sua atenção por todo esse tempo. Os alunos se distraem, dormem, conversam entre si ou saem da sala. Pode ser que não mexam no celular nesse caso (pelo menos não de forma explícita), mas sua atenção ainda escapa por outros meios.
Na educação a distância, então, torna-se quase impossível. Se o conteúdo é muito denso ou extenso, o aluno desiste e basta um movimento de dedos para abrir outra página.
Mas, então, se essa é a forma como os nativos digitais aprendem, como chamar atenção dos alunos?
Por meio de conteúdos chamativos, interativos, dinâmicos e, principalmente, curtos. Pode parecer estranho investir nos chamados “conteúdos pílula”, mas as pesquisas pedagógicas atestam a eficiência deste método.
A ideia, portanto, é fazer materiais objetivos e mais sucintos. Se for uma videoaula, por exemplo, a prática orienta que sua duração não ultrapasse 20 minutos.
Para trabalhar temáticas mais densas e complexas, você pode utilizar outras abordagens pedagógicas, como a sala de aula invertida.
4. Multimídia e hipermídia
A multimídia e a hipermídia na educação são outras ferramentas plenamente compatíveis com a realidade dessa nova geração de alunos. Através de diferentes estímulos é como os nativos digitais aprendem.
A introdução das tecnologias digitais revolucionou a comunicação, de forma geral. A transmissão e a recepção de informações ocorre agora por inúmeras formas distintas, e de forma simultânea.
Essa é a noção por trás de multimídia — quando diversas mídias (sons, imagens, vídeos, animações, fotografias, etc.) são utilizadas ao mesmo tempo, para transmitir informações de forma interativa.
Já a hipermídia trata da fusão de multimídia com hipertexto. Isso significa que diversos conteúdos se conectam, de forma interativa e não linear. Dessa maneira, o aluno consegue navegar pelos conteúdos da forma que bem entender.
Suponha, então, que você faça ou adquira um mapa mental virtual que contenha, ao longo de seu desenvolvimento, links para:
Esse seria o material perfeito para o aluno nativo digital. Ele primeiro terá contato com uma visão holística sobre o tema lecionado, para depois explorar suas vertentes e poder se aprofundar em cada um dos tópicos.
Como os nativos digitais aprendem por meio de uma navegação dinâmica e por múltiplos estímulos, essa opção é ideal. Ela replica a experiência desses estudantes em outros momentos de suas vidas.
5. Metodologias ativas
As metodologias ativas são outra dica valiosa — como os nativos digitais aprendem de forma dinâmica, aulas expositivas tradicionais não são uma boa ideia.
Neste modelo clássico, o aluno assume uma postura passiva diante do conteúdo ministrado. Ele é um mero receptor do conhecimento depositado pelos professores, que se situam ao centro do processo de ensino-aprendizado.
Faz sentido dar esse tipo de aula para alunos dispersos, cujo pensamento é bem mais fluido e fugaz? Pode até ser que funcione, a depender da habilidade de cada professor, mas é bem mais provável que não.
O aluno nativo digital precisa de um incentivo maior. Se ele é convidado a assumir o centro de seu aprendizado, há bem mais chances de sucesso. Essa é justamente a ideia das metodologias ativas.
Através delas, o estudante abandona o posto de receptor passivo de conteúdo para trabalhar ativamente na compreensão de cada disciplina.
A ideia é aproveitar todas as suas habilidades natas de pesquisa e interação com as redes. Através destas competências, o estudante nativo digital consegue correr atrás do conhecimento por conta própria.
Isso não significa, entretanto, que o aluno vai aprender sozinho. Nós alteramos apenas o método pelo qual ele aprende. Para ilustrar, vamos tomar o exemplo clássico da sala de aula invertida.
Nessa espécie de metodologia ativa, a ideia é justamente inverter o modelo clássico de aula. Ou seja, ao invés de expor o conteúdo em sala e deixar os estudos individuais para o momento posterior, faz-se o contrário.
O professor propõe alguns conteúdos de base, que os alunos estudam por conta própria antes da aula. O momento de interação dos alunos entre si e com o professor, então, é dedicado à discussão desse conteúdo e resolução de dúvidas.
Os docentes, nesse contexto, possuem uma importância enorme. Eles devem dirigir o aprendizado dos alunos, além de mediar os momentos de diálogo, debate e construção conjunta do conhecimento.
Estas e outras iniciativas relacionadas às metodologias ativas aproveitam a autonomia em potencial nos nativos digitais, e por isso são muito adequadas ao seu aprendizado.
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